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editorial

A batalha do mosquito

A epidemia nacional de dengue, zika e chikungunya – provocada pelo mosquito Aedes aegypti – coloca uma questão cara ao século 21: a capacidade de “viver juntos”. Uma caravana de autores e pessoas minimamente atentas já fez da expressão a sua bandeira, traduzida na palavra “hospitalidade” e em outra, também inspiradora , “cuidado”. Respiramos o mesmo ar, habitamos o mesmo planeta e estamos à espreita dos mesmos vírus. A distância das fronteiras diminuiu – só nos resta trabalhar para que o encontro de culturas seja possível.

Em meio a esse jogo de palavras bonitas, a associação entre hospitalidade e saúde pública é imediata – ou pelo menos deveria. A medicina se sofisticou, teve avanços técnicos notáveis. Suas glórias são também sua tragédia, pois não faltam evidência de que se desumanizou, como costuma acontecer em tempos de cismas e cataclismos, morais ou materiais. A saúde pública exige o ouvir, o tocar, o aconselhar sobre alimentação e práticas de higiene. Cuidado? Os resultados, difícil negar, são instantâneos. Basta lembrar as lições simples sobre mãos lavadas, janelas abertas e espirros menos escandalosos, em 2012, durante a epidemia de gripe A (H1N1). Viu-se que era possível derrubar o “bandido” com tão pouco.

O estado das coisas exige militância severa para combater a ignorância sobre o Aedes

Agora é o caso. A vacina do laboratório francês Sanofi Pasteur para a dengue é cara e tem alcance baixo – apenas 66% dos vacinados; a farmacologia brasileira deu de tropeçar bem na hora de avançar, o mosquito transgênico capaz de vencer o primo Aedes ainda tem uma asa na ficção científica. Em resumo, não haverá milagre tão cedo. Nossa capacidade de viver junto passa por essas rotinas banais – com a vantagem de que podem ser feitas com algum sentido.

Caso seja preciso ser mais direto, o maldito mosquito não tem compromisso com nenhuma casta social em específico, de modo que já são horas de passar um inseticida brabo numa ideia que paira sobre o imaginário brasileiros – a de que doenças tropicais e afins são problemas dos outros. E por outros se subentende os mais pobres, que seriam um assunto dos governos. Não dá mais para alimentar esse expediente de mesquinhez.

Em miúdos – igrejas, escolas, empresas, toda e qualquer sombra de sociedade organizada – tem de fazer da derrota do mosquito uma razão para viver. Estamos em meio a uma tragédia, um fato difícil de encarar para a época mais escapista e infantilizada de todos os tempos. A era zika vírus ficará para a história da saúde ao lado da gripe espanhola de 1918, as deformações causadas pela Talidomida, na virada dos anos 1950 para 1960, e os primeiros casos de aids, de 1980 em diante.

Por ora, o que se observa é resistência em sumir com os criadouros do mosquito. Ao lado da resistência, a timidez na hora de agir ou mera falta de iniciativa seguida de descaso. Ainda estamos espectadores da epidemia tríplice, como se o assunto pertencesse ao vizinho. Reportagens mostram ações de vulto – como não citar os “anjos” das paróquias do Recife, no Pernambuco, empenhando suas noites para mostrar, nas casas, onde é que mora o perigo, em cada quintal, tudo com didatismo e afeto. Funciona. Tomara essa reação vire um viral. Que o começo das aulas, depois do carnaval, traga aulas e mais aulas capazes de transformar crianças e adolescente em agentes.

Temos de agir. É grave. Em 2015, o país teve a maior epidemia de dengue de todos os tempos, com 1,6 milhão de casos e 839 mortes. Some-se 500 mil casos de contaminados pelo zika – que de “dengue light”, como era chamado dadas suas amenidades, não tem nada: relação comprovada ou não, foram 2.975 casos de microcefalia em investigação, com projeção de chegar a 100 mil em 2016. Uma geração de brasileirinhos está condenada aos efeitos da contaminação. Só resta uma palavra – que vale por um projeto de vida: enfrentamento.

O estado das coisas exige nova logística para exames pré-natal, imunológicos. Exige militância severa para combater a ignorância sobre o Aedes. Vale para os médicos. A saúde pública não é a carreira mais amada nesses tempos de especializações – algumas delas tão sofisticadas que é preciso caçar doentes. Vai ser preciso ensinar os profissionais as ler os sinais deixados na pele dos brasileiros, todos eles.

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