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O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus.| Foto: Fabrice Coffrini/AFP

Por mais que a Organização Mundial de Saúde (OMS) esteja incentivando medidas de restrição à circulação de pessoas como forma principal de conter a pandemia do coronavírus, a cúpula da entidade já deu mostras de que não ignora completamente os efeitos catastróficos da paralisação da economia sobre empresas e empregos, atingindo especialmente os mais pobres, aqueles que não têm reservas financeiras que lhes permitam suportar um período de redução da renda. O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, já havia mencionado que os efeitos econômicos do isolamento para os mais pobres seriam devastadores. Por isso, a OMS divulgou um parecer estratégico, recomendando critérios que podem ser usados pelos governos que consideram o afrouxamento das medidas restritivas e a reabertura de comércio e demais estabelecimentos.

Na segunda-feira, Tedros divulgou os seis critérios, que combinam fatores numéricos e comportamentais. Para se considerar um relaxamento das restrições, segundo a entidade, é preciso que a transmissão esteja controlada; que o sistema de saúde seja capaz de detectar, testar, isolar e tratar todos os casos e rastrear todos os contatos; que os riscos de surtos sejam minimizados em contextos especiais, como unidades de saúde e asilos; que medidas preventivas estejam em vigor em locais de trabalho, escolas e outros lugares aonde as pessoas precisam ir; que os riscos de importação de casos possam ser gerenciados; e que as comunidades estejam totalmente educadas, engajadas e capacitadas para se ajustarem à “nova norma”.

Países pobres e emergentes terão dificuldade de atender a todos os critérios da OMS. Precisarão se manter indefinidamente em isolamento ou quarentena? Isso não faria o menor sentido

Que essa reflexão comece a ser feita também pelas autoridades de saúde é algo bem-vindo; afinal, é impossível manter a economia quase paralisada por um longo período, cobrando um preço que especialmente os mais pobres não têm como pagar; “Como você sobrevive a um lockdown quando depende de seu trabalho diário para comer?”, questionou Tedros na segunda-feira. Por outro lado, há a preocupação com um possível relaxamento precoce do isolamento, que poderia causar uma nova onda de contaminações que coloque a perder todo o sacrifício feito anteriormente. A gripe espanhola, a pandemia mais fatal da história, ocorrida um século atrás, só foi controlada após a terceira onda de infecções.

A OMS, com seus seis critérios, se junta a outros especialistas da área médica que também buscam respostas para a pergunta crucial: como saber quando é hora de reabrir tudo? A questão foi o título de um artigo no New York Times em que o médico Aaron Carroll cita um relatório com alguns critérios semelhantes aos da OMS, mas com maior detalhamento, e aplicados aos Estados Unidos, que hoje se tornaram o epicentro da pandemia. Os autores defendem como parâmetro, por exemplo, uma queda no número de casos em um período de 14 dias, o tempo máximo que os sintomas levam para aparecer após a contaminação. Quanto aos testes, propõe-se que o país seja capaz de realizar 750 mil testes diários, e Carroll acrescenta que outros especialistas defendem a necessidade de acrescentar testes que detectem os anticorpos, e não o coronavírus em si – estes servem para identificar quem está doente; aqueles identificam os que já foram contaminados e que, se não estiverem mais no estágio em que podem passar a Covid-19 adiante, poderiam ser liberados para voltar ao trabalho sem problemas.

Mas há outra pergunta pairando no ar. O quanto isso tudo é factível? Nações desenvolvidas podem ter meios de cumprir rapidamente todos os critérios, seja os da OMS, seja os de outros especialistas. Mas, assim como o próprio Tedros admitiu que nem todos os países têm uma rede de proteção social que permita garantir uma renda minimamente decente aos atingidos pela crise econômica decorrente do coronavírus, países pobres e emergentes também terão enorme dificuldade de atender a todos esses requisitos. Precisariam se manter indefinidamente em isolamento ou quarentena? Isso não faria o menor sentido.

A pandemia que vivemos é um evento inédito, em que nenhum país teve como usar receitas prontas; cada nação está experimentando estratégias com maior ou menor sucesso, seja no combate à doença, seja na tentativa de reativação da economia. Já há países europeus programando o relaxamento da quarentena, enquanto outros a prorrogam; a Índia anunciou a continuação até 3 de maio daquele que é o maior lockdown do planeta. Ao alinhar seus critérios para a reabertura dos negócios, a OMS e outros especialistas na área da saúde compreensivelmente têm um olhar que prioriza a questão sanitária, mas tudo isso precisará ser colocado na balança junto com o caos econômico. Alguns países terão de flexibilizar suas restrições sem ter testado parte significativa da população, ou mesmo sem ter ampliado significativamente a rede hospitalar, na esperança de que os cidadãos continuem adotando cuidados extremos na vida cotidiana e com isso reduzam as chances de contágio. São decisões dificílimas, admitimos; daí a importância de ter em mãos dados os mais completos possíveis, de contar com os melhores quadros e de haver uma coordenação que leve as diferentes áreas a trabalhar de forma harmônica, tendo sempre em mente o duplo objetivo de salvar vidas e impedir o colapso econômico.

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