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O Brasil faz mesmo jus à recorrente citação de que se trata de um país de contrastes. Normalmente, ela se refere às desigualdades sociais, às diferenças regionais, ao seu rico, mas inaproveitado potencial – mas pode também ser aplicada a algo que soa surreal: em alguns casos, pode ser mais difícil encerrar as atividades de uma empresa do que abrir uma nova. São as artes da burocracia encalacrada na cultura nacional desde os tempos do Brasil Colônia.

Felizmente, pelo menos no que diz respeito ao fechamento de empresas, algo está mudando: uma lei sancionada no ano passado e posta em prática como piloto no Distrito Federal já está permitindo que empresários encerrem oficialmente e excluam seus CNPJs de quaisquer registros em apenas um dia. Basta-lhes preencher um formulário e apresenta-lo à Junta Comercial para que a empresa deixe imediatamente de existir – eventuais dívidas da empresa serão transferidas para as pessoas físicas responsáveis. Um contraste significativo em comparação com os meses ou anos (ou a eternidade) necessários até agora para tão simples ato, e que exigia dos infelizes empreendedores ou contadores uma montoeira de documentos e certidões negativas, principalmente em relação a débitos fiscais. Na quinta-feira passada, o Planalto lançou a extensão desse programa, chamado Bem Mais Simples, para todo o país.

A desburocratização é uma necessidade urgente. O Banco Mundial coloca o Brasil apenas na 120.ª posição em seu ranking que avalia o ambiente para negócios. O país amarga posições ainda mais vergonhosas em itens como o pagamento de impostos (177.º), a obtenção de alvarás de construção (174.º) e o registro de propriedades (138.º). No item “resolução de insolvência”, que abrange o fechamento de empresas, o país tem um desempenho ligeiramente melhor, ocupando a 55.ª posição. Mas, na prática, a excessiva demora e a burocracia difícil de vencer são responsáveis pela existência de, estima-se, 1,1 milhão de empresas “mortas-vivas”, que já não mantêm qualquer atividade ou faturamento, mas ainda assim são tidas como atuantes e, portanto, devem cumprir obrigações, como a de apresentar balanços anuais. Segundo o Banco Mundial, a média brasileira de tempo para se fechar uma empresa é de quatro anos.

A excessiva demora e a burocracia difícil de vencer são responsáveis pela existência de, estima-se, 1,1 milhão de empresas “mortas-vivas”

A existência desses verdadeiros zumbis no território pedregoso dos que tentam seus próprios negócios se deve muitas vezes ao fracasso dos sonhos de sucesso, ora por falta de experiência ou planejamento, ora em função de conjunturas externas sobre as quais o empreendedor não detém o mínimo controle. Seria o caso de condená-lo eternamente ou por muito tempo à impossibilidade de tentar outra vez em razão de um negócio que não deu certo?

Não é assim que pensam em outras paragens. Nos Estados Unidos, o fracasso é visto como um passo quase necessário em direção à experiência. O primeiro empreendimento de Bill Gates não teve resultados significativos, mas serviu de aprendizado para a criação da hoje gigante Microsoft. Henry Ford foi à falência antes de se tornar o maior fabricante de automóveis do mundo (e levou apenas dez meses entre fechar sua companhia fracassada e abrir uma nova). R.H.Macy, fundador da grande rede de lojas de departamentos Macy’s, amargou quatro derrotas no mesmo setor antes de prosperar. Eles contaram com facilidades causadas por um círculo virtuoso que envolve os aspectos legal e cultural: a facilidade formal para fechar e abrir negócios fortalece e ao mesmo tempo se inspira na valorização do empreendedorismo e do self-made man característica dos norte-americanos.

No país dos contrastes, o Brasil, pessoas como Gates, Ford e Macy acabariam vítimas da burocracia sem fim e dos resquícios de uma mentalidade que considera o fracasso passado uma garantia de fracasso futuro. Mas o brasileiro também é um empreendedor, e temos como crescer com a experiência. Facilitar o retorno aos negócios daqueles que não conseguiram sucesso em uma ocasião anterior é um grande passo para não desestimular quem tem o empreendedorismo na veia.

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