É compreensível que, antes da votação definitiva do impeachment de Dilma Rousseff no Senado, Michel Temer não pudesse encaminhar ao Congresso Nacional todos os projetos de que gostaria para tirar o país da crise – afinal, o fato de estar ocupando a Presidência da República interinamente era um fator que dificultava as negociações. Mas o cenário mudou radicalmente depois de 31 de agosto. Com o afastamento definitivo de Dilma Rousseff, Temer se livrou da interinidade e tem nas suas mãos uma oportunidade única de conduzir as reformas urgentes e imprescindíveis de que o Brasil tanto precisa.
O contexto atual em que o presidente se encontra lembra, em alguns aspectos, o início do governo de Itamar Franco. Quando assumiu após o impeachment de Fernando Collor de Mello, em 1992, Itamar pegou um país com sérios problemas macroeconômicos, dos quais o maior era a hiperinflação que diversos planos econômicos anteriores não haviam conseguido derrotar. O mineiro conseguiu articular um governo de coalizão nacional (do qual o PT se recusou a participar) e implantou o Plano Real, que, no último ano do mandato tampão, debelou a inflação, condição imprescindível para que se pudesse pensar em colocar o país nos trilhos do crescimento para os anos seguintes, especialmente graças ao aumento do poder aquisitivo da população e à estabilidade da economia.
A equipe econômica de Temer é, provavelmente, a melhor desde a época do Plano Real
Diferentemente dos tempos de Itamar, Temer leva a vantagem de estar administrando o país em um cenário mais estável, apesar da crise atual. A inflação hoje é alta, mas nem se compara ao período de hiperinflação – em 1993, primeiro ano inteiro sob o governo Itamar, o índice chegou a 2.477,15%. Mesmo assim, conter a inflação continua sendo um desafio, como também o é tirar o país da recessão e reduzir o desemprego. Animador é o fato de que a equipe econômica de Temer é, provavelmente, a melhor desde a época do Plano Real.
Aí reside a chance de Temer deixar um legado para o país, como Itamar deixou o Plano Real. Ele tem a oportunidade de realizar as reformas – previdenciária, tributária, trabalhista – que precisam ser levadas a cabo. Precisará resistir à tentação de ceder ao populismo e às pressões que virão de todos os lados. E deverá, também, se cercar de pessoas competentes e acima de qualquer suspeita, ao contrário dos dias iniciais de sua interinidade, quando levou para a Esplanada até mesmo investigados pela Lava Jato.
E na Lava Jato residem alguns dos fantasmas de Temer. Seu nome é citado em algumas delações, e a operação, por sua vez, tem reflexos na ação que corre no Tribunal Superior Eleitoral contra a chapa vitoriosa de 2014 e cujo desfecho pode levar à perda do cargo. O presidente também precisará demonstrar que ele e sua equipe não irão provocar interferências no trabalho da força-tarefa.
Também no Congresso o presidente não terá vida tão fácil. O fator Eduardo Cunha (PMDB-RJ) precisa ser considerado. Ele ainda detém influência na Câmara e pode usá-la para atrapalhar votações importantes, se isso lhe ajudar a atingir os próprios interesses. Já no Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) demonstrou o tamanho de sua força ao conseguir fatiar a votação do impeachment de Dilma Rousseff e preservar os direitos políticos da petista. Calheiros pode usar o poder de articulação que tem dentro do Legislativo para dificultar a aprovação de projetos importantes.
Temer encontra-se diante de uma chance única de fazer a coisa certa, mas terá de ser habilidoso para negociar com as duas casas do Congresso e conseguir avançar no processo de reformas do Estado brasileiro.
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