O Supremo Tribunal Federal tem, no próximo dia 4 de abril, a chance de se redimir do apequenamento a que se submeteu no último dia 22 de março, quando se curvou diante de Lula. O ex-presidente foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro em primeira e segunda instâncias, mas permanece livre graças a uma solução ad hoc criada pelo próprio Supremo e que transformou em realidade o delírio de Lula, que já se acha acima do bem e do mal e, portanto, imune a coisas miúdas como a igualdade de todos perante a lei e o Estado Democrático de Direito.
A aplicação da lei e do entendimento do próprio Supremo a respeito do início do cumprimento da pena após condenação em segunda instância está suspensa no caso de Lula, que teria seu habeas corpus analisado pelos 11 ministros do STF no dia 22. Mas, como bem disseram os criadores de frases de efeito que circulam pelas mídias sociais, antes disso o STF precisou decidir se podia decidir e, quando decidiu que podia decidir, logo em seguida decidiu que não decidiria – pelo menos não até depois da Páscoa, graças a um feriadão de Semana Santa mais longo que o vivido pelo Brasil real, aquele que paga os impostos que bancam os três poderes.
O problema é que a omissão não foi suficiente para os ministros do STF. Além de decidir que não decidiriam, eles ainda resolveram que, enquanto não decidirem, as instâncias inferiores da Justiça – o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região e o juiz Sergio Moro – poderiam decidir o que quisessem, mas nada do que decidissem teria efeito prático. Qualquer outro brasileiro que for condenado em segunda instância até 4 de abril pode começar a cumprir sua pena, mas Lula está imune até lá.
Não há motivo para que os ministros não rejeitem o habeas corpus de Lula
E o que o Brasil espera é que em 4 de abril a lei volte a valer para todos os brasileiros, inclusive para aqueles que gostariam de viver como se ela não existisse. Não há motivo nenhum para que o impasse se arraste por mais tempo. Já naquele 22 de março, alguns ministros do STF disseram com todas as letras que seus votos sobre o habeas corpus estavam prontos para serem lidos. Muito provavelmente é o caso dos demais integrantes da corte; afinal, todos estavam preparados para julgar o habeas corpus naquela ocasião – a análise de admissibilidade, que acabou tomando horas preciosas daquele julgamento, só foi pedida quando a sessão já estava em andamento.
Considerando que o entendimento atual do Supremo é o de que o início do cumprimento da pena após condenação em segunda instância não viola o princípio constitucional da presunção de inocência, não há motivo para que os ministros não rejeitem o habeas corpus. Não há arbitrariedade ou abuso do qual Lula precise ser preservado: todo o processo do tríplex correu de forma límpida e correta, e uma eventual ordem de prisão estaria de acordo com a posição do próprio Supremo.
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No entanto, é certo que Lula terá pelo menos alguns votos em seu favor. Não porque os ministros que assim o fizerem consideram que houve algum direito violado durante a condução do processo na Justiça Federal em Curitiba ou no TRF-4, mas porque entendem que é a própria prisão após a condenação em segunda instância que viola um direito – no caso, o direito a recorrer em liberdade até o trânsito em julgado. Não é nosso objetivo aqui analisar essa tese (que só passou a vigorar no Brasil em 2009 e já tinha sido negada pelo STF antes disso), mas é preciso dizer que um voto nesse sentido seria um desvio do real assunto em pauta, que é o destino específico de Lula, e não a tese a respeito da constitucionalidade da prisão – a ocasião de se discutir esse tema seria não o habeas corpus de Lula, mas o julgamento de ações de relatoria do ministro Marco Aurélio Mello e que dependem da vontade de Cármen Lúcia para entrar na pauta.
O que não pode ocorrer, de forma alguma, é que esses votos sejam suficientemente numerosos para que Lula tenha seu habeas corpus deferido, sem que o Supremo visse arbitrariedades no processo e vigorando o entendimento atual sobre a prisão após condenação em segunda instância. Isso equivaleria a jogar no lixo esse próprio entendimento sem que ele tenha sido formalmente revogado, indicando que no Brasil a lei vale para uns e não para outros. Seria o rebaixamento definitivo do Supremo, aquele que Lula mesmo disse, em conversa telefônica, estar “totalmente acovardado”. O Brasil espera – mais que isso, precisa – que não esteja.