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Editorial

A chantagem dos caminhoneiros funciona

 | Marcelo Pinto/A Plateia
(Foto: Marcelo Pinto/A Plateia)

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux recuou mais uma vez em uma liminar concedida por ele mesmo. No fim de novembro, ele havia derrubado sua própria decisão monocrática a respeito do auxílio-moradia do Judiciário, como parte da negociata que envolveu o reajuste dos ministros do STF. Agora, ele levou bem menos que quatro anos para reverter sua opinião: atendendo a um pedido da Advocacia-Geral da União, Fux revogou liminar concedida na semana passada e que suspendia a aplicação de multas por descumprimento da tabela de frete imposta pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

O tabelamento do frete era uma reivindicação dos caminhoneiros que haviam parado o Brasil em maio, em um protesto que até contou com o apoio da população em um momento inicial, mas depois se revelou puramente corporativista, preocupado apenas com as próprias questões. O tabelamento serviu aos caminhoneiros, mas prejudicou todo o resto do país ao inflacionar o preço do transporte rodoviário, o que teve seu reflexo no desempenho do setor produtivo, nos preços praticados ao consumidor e até no comércio exterior. A suspensão da multa por Fux, na semana passada, irritou a categoria, que ameaçou parar novamente. Isso só não ocorreu porque a AGU já havia se comprometido a intervir, e o pedido feito ao STF mostra o nível da chantagem dos caminhoneiros. Era preciso voltar a aplicar as multas para “evitar risco de comprometimento do sistema de distribuição de alimentos, medicamentos, combustíveis e outros produtos essenciais [...] no período do Natal e do Ano Novo”, afirmava a AGU. Ou seja, os caminhoneiros estavam dispostos a, mais uma vez, prejudicar toda a nação nas festas de fim de ano, quando a demanda por vários itens, como combustíveis e alimentos, tende a crescer.

O tabelamento viola os artigos da Constituição que protegem a livre iniciativa

O argumento de que seria melhor esperar a mudança de governo para se resolver a questão, usado pela AGU e aceito por Fux, também não para em pé. Isso porque, desde a publicação da medida provisória (depois convertida em lei) que autorizava a ANTT a publicar a tabela, o que o setor produtivo vem questionando é a constitucionalidade desse tabelamento. É algo que tem de ser resolvido não pelo Executivo, nem pelo Legislativo, mas pelo Judiciário, que não muda em 2019. E não apenas a inconstitucionalidade do tabelamento é evidente, violando os artigos da Carta Magna que protegem a livre iniciativa, como também o assunto é urgente, dadas as perdas do setor produtivo com a política que aumentou os preços mínimos do transporte.

Se chegamos à situação em que os caminhoneiros se colocam mais uma vez na posição de chantagear o país, isso ocorre em grande parte graças à omissão do Supremo, especialmente a do ministro Fux. Foi ele quem, em junho, paralisou todas as ações judiciais a respeito do frete e, depois, passou meses sem tomar uma decisão. Quando o fez, suspendendo as multas, não atacou a questão central, que já tinha delegado ao plenário do STF – no entanto, o tema nunca chegou a ser pautado para análise da corte. Agora, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) pedirá ao STF que analise o tema antes do recesso judiciário de fim de ano. Se isso não ocorrer, o Supremo estará colaborando para a continuação da insegurança jurídica em torno do assunto.

Mas também o Poder Executivo mostra sua leniência diante da atitude dos caminhoneiros. A AGU não apenas atuou para perpetuar uma inconstitucionalidade, mas também se curvou aos que estavam dispostos a violar direitos fundamentais da população, como o de ir e vir. O governo, em vez de deixar claro que não toleraria novos bloqueios de estradas nem o desabastecimento de produtos básicos, se transformou em refém dos caminhoneiros por vontade própria, incentivando ilegalidades e tolerando o intolerável.

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