“Não paira contra mim nenhuma suspeita de desvio de dinheiro público, não possuo conta no exterior”, disse Dilma Rousseff em 2 de dezembro, assim que soube que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, tinha acolhido um pedido de impeachment. O mote foi retomado em outras ocasiões pela própria Dilma ou por seus aliados. E, de fato, até o momento não há nenhuma comprovação de que Dilma estivesse pessoalmente envolvida em atos de corrupção.

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Mas Dilma se defendia daquilo de que não era acusada. O pedido de impeachment redigido por Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr. e Janaina Paschoal se baseia não em atos de corrupção, mas em irregularidades fiscais cometidas por Dilma em 2014 e 2015. Algumas dessas operações já foram inclusive analisadas pelo TCU, que recomendou ao Congresso Nacional a rejeição das contas de 2014 da presidente. Nas “pedaladas”, o governo deixou de repassar dinheiro a bancos estatais, forçando-os a custear de forma indireta programas sociais e de ajuda a empresários. Na prática, trata-se de um empréstimo proibido pelo artigo 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal. Outro tipo de irregularidade, cometido tanto em 2014 quanto em 2015, foi a edição de decretos sem número que abriam crédito suplementar sem autorização do Congresso.

O governante que manipula o orçamento demonstra descaso completo com os recursos públicos como um todo

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Essas são apenas algumas das irregularidades apontadas, e já são suficientes para configurar desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal e à Lei 1.079/50, que define os crimes de responsabilidade. Esta lei, em seu artigo 10.º, enumera 12 “crimes de responsabilidade contra a lei orçamentária”; as “pedaladas” e outras violações atentam contra os parágrafos 4.º e 6.º deste texto e, assim, também se encaixam na definição do inciso VI do artigo 85 da Constituição.

Para o grande público, a gravidade da violação das leis orçamentárias não é tão evidente quanto a dos atos de corrupção como os que temos nos acostumado a ver no noticiário: desvios, propinodutos, apropriação sistemática de recursos públicos, pilhagem de estatais. Ela é também mais difícil de explicar à opinião pública: é fácil entender por que um Fiat Elba comprado com dinheiro de caixa dois é motivo de impeachment, mas compreender o que é uma “pedalada”, e por que ela também merece ser punida com a cassação, é outra coisa.

Mas a grande verdade é que gambiarras orçamentárias são tão graves quanto os atos de corrupção. O governante que manipula o orçamento demonstra descaso completo com os recursos públicos como um todo. E o Brasil percorreu um longo caminho para que se criasse a consciência de que um governante não pode dispor dos bens públicos como bem entender. A Lei de Responsabilidade Fiscal foi um marco nesse sentido, ao deixar claro que não basta ao mandatário simplesmente equilibrar receita e despesa: também é necessário administrar com lisura os recursos públicos.

Nos últimos dias, Dilma parou de se defender do que não era acusada e passou a justificar as “pedaladas”. Na quarta-feira, em Roraima, ela argumentou que “nós [o governo] somos os únicos donos” da Caixa Econômica Federal, como se isso permitisse ao governo usar o dinheiro da Caixa em descompasso com o que prevê a lei. Ainda disse que foi “por conta que (sic) nós fomos capazes de fazer o maior programa habitacional da história que nós hoje somos responsabilizados”.

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Dilma confessou – não existe outra interpretação possível para essas afirmações. Ela admitiu as “pedaladas”. Admitiu a promiscuidade entre Tesouro Nacional e Caixa, mas quer ser absolvida porque “foi pelos pobres”, em uma variante do “rouba, mas faz” malufista. O governo não está argumentando que as operações irregulares com o orçamento jamais ocorreram. Dilma está admitindo as movimentações, mas alega (contra o próprio texto legal) que elas seriam lícitas ou que não deveriam ser punidas porque foram feitas com um bom propósito. Aceitar esse raciocínio, mantendo Dilma na Presidência, é dar carta branca para atuais e futuros governantes maquiarem as contas públicas como bem entenderem; é deixar a porta aberta para desmontar o que conquistamos a duras penas.