Qualquer ilusão a respeito do teatro montado pelo ditador venezuelano, Nicolás Maduro, quando afirmava querer dialogar com a oposição foi demolida neste 1.º de maio, quando o bolivariano anunciou sua mais nova manobra para contornar o Poder Legislativo do país, dominado pela oposição. Ele invocou os artigos 347 (segundo o qual “o povo da Venezuela é o depositário do poder constituinte originário. No exercício do dito poder, pode convocar uma Assembleia Nacional Constituinte”) e 348 (“A iniciativa de convocação da Assembleia Nacional Constituinte poderá ser feita pelo presidente da República”) da atual Carta Magna do país para consolidar seu poder por meio de uma nova Constituição.
A convocação de uma assembleia constituinte é a cartada definitiva e ponto culminante – ou mais baixo, seria melhor dizer – de uma série de tentativas de anular a voz da oposição, que conseguiu uma vitória avassaladora nas eleições legislativas de 2015. Primeiro, veio a tentativa de estabelecer um “Parlamento Comunal” que absorveria as funções do Legislativo. Depois, o Judiciário venezuelano, totalmente aparelhado e subserviente ao chavismo, buscou cassar deputados para impedir a oposição de conseguir a maioria qualificada que lhe daria poderes especiais, inclusive o de reformar a Constituição e realizar referendos. Por fim, em março, veio a decisão da corte suprema do país de tomar para si as atribuições do Legislativo, um autogolpe tão absurdo que gerou enorme indignação popular e acabou denunciado até mesmo por membros do próprio governo, tendo sido posteriormente revogado. Isso sem falar de outras manobras, como a impugnação, pela Justiça eleitoral, das assinaturas que a oposição havia conseguido em número mais que suficiente para convocar um referendo revogatório do mandato de Maduro.
O autogolpe de março fracassou; o de maio, no entanto, é mais astuto
Uma nova Constituição demonstra que Maduro não tem a menor intenção de conciliação com a oposição; tendo visto fracassar todas as tentativas anteriores de barrar a voz do Legislativo e a voz das ruas, que fervilham há um mês em protestos contra a ditadura bolivariana, o presidente busca, na alteração da lei maior do país, consolidar seu poder supremo. Isso porque o processo de escolha dos membros da Assembleia Nacional Constituinte certamente garantirá a maioria ao chavismo, pois até metade dos constituintes será escolhida em um processo dirigido, com representantes de categorias mais alinhadas ao governo. Isso impedirá qualquer possibilidade de a oposição conseguir maioria semelhante à que tem no parlamento hoje. Com a Assembleia Nacional Constituinte nas mãos, Maduro não terá obstáculo nenhum à sua frente.
Bloqueada institucionalmente, com vários de seus líderes presos de forma arbitrária, a oposição vê na mobilização popular a única alternativa. O povo venezuelano tem ido às ruas para protestar não apenas contra um ditador, mas também porque seu regime levou o país ao completo caos socioeconômico, com inflação e violência urbana galopantes e escassez de produtos básicos. A esses protestos Maduro tem respondido com uma repressão que já deixou quase 30 mortos, centenas de feridos e 1,5 mil presos. A violência é levada a cabo não apenas pelas forças regulares, mas por milícias civis chavistas armadas, os chamados “coletivos”.
O autogolpe de março fracassou; o de maio, no entanto, é mais astuto, pois dá um verniz “democrático” a algo que não passa de jogo de cartas marcadas destinado a calar o povo venezuelano, que falou em 2015, quando colocou a oposição no comando do parlamento, e fala diretamente agora, ocupando as ruas do país contra Maduro. Por mais que ele culpe a oposição e “agentes internacionais” – agora, até a Organização dos Estados Americanos (OEA) estaria tramando a instabilidade no país –, só existe um culpado pelo acirramento das tensões, que pode desembocar em um banho de sangue: o próprio ditador.