Em 2015, um acordo nuclear assinado entre o Irã e o “P5+1” – formado pelos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e a Alemanha – determinou que o país islâmico usaria seu programa nuclear para fins pacíficos, em troca da redução de sanções econômicas. Um dos itens acertados no tratado, conhecido pela sigla inglesa JCPOA, estipulava que o Irã não poderia ter em seu poder mais de 202,8 quilogramas de urânio enriquecido. Agora, em meio a uma disputa com os Estados Unidos e acusando inação dos países europeus, o regime iraniano está perto de superar esse limite e descumprir o acordo, algo que as próprias autoridades iranianas fizeram questão de anunciar. A informação foi confirmada por inspetores das Nações Unidas, segundo os quais o Irã já tinha chegado a 200 quilos de urânio em sua posse, e estava produzindo mais um quilo por dia – ou seja, já neste fim de semana os estoques do Irã já estariam acima do acertado em 2015.
E o problema não está apenas na quantidade, mas na qualidade do material radioativo: o governo iraniano também prometeu aumentar o grau de enriquecimento do urânio, que pelo acordo não poderia passar de 3,6%; este nível permite a geração de energia para fins pacíficos, mas não a fabricação de armas nucleares. No entanto, se o Irã conseguisse um grau de enriquecimento de 85% – algo que levaria pelo menos um ano, partindo dos níveis permitidos de urânio enriquecido –, estaria em condições de obter sua bomba atômica.
Provavelmente, nem Trump nem o Irã querem guerra, mas a esta altura os iranianos são os que menos têm a perder com a escalada agressiva
O consenso internacional é o de que os iranianos respeitaram o JCPOA até meados de 2018, quando Donald Trump decidiu cumprir uma promessa de campanha e retirar os Estados Unidos do acordo, de forma unilateral, depois que o Irã realizou testes com mísseis balísticos – ainda que eles não carregassem armas atômicas, tais testes desrespeitariam o acordo se os mísseis fossem capazes de levar ogivas nucleares, o que Trump alegou. Com o retorno das sanções americanas, o Irã se viu no direito de intensificar seu programa nuclear, embora ainda dentro das especificações do JCPOA – até agora.
Nas últimas semanas, os dois países estiveram próximos de um conflito armado aberto. Os norte-americanos acusam o Irã de atacar navios petroleiros, e um drone dos Estados Unidos foi derrubado pela Guarda Revolucionária Islâmica, parte das forças armadas do país – os iranianos alegam que o aparelho havia invadido o espaço aéreo do Irã, o que os norte-americanos negam. Trump ordenou uma retaliação, mas a cancelou ao saber que cerca de 150 iranianos acabariam mortos, e substituiu o bombardeio por um ciberataque. O recuo de última hora foi providencial, pois as consequências de uma ação militar seriam imprevisíveis, ameaçando outra plataforma eleitoral de Trump: a redução da presença americana no Oriente Médio.
Muito provavelmente, nem Trump nem os líderes iranianos – o presidente Hassan Rohani e o aiatolá Ali Khamanei – querem guerra, mas a esta altura os iranianos são os que menos têm a perder com a escalada agressiva. As sanções americanas já afetam 80% da economia do país e, se no passado foram elas que colocaram o Irã na mesa de negociações, desta vez estão servindo para o regime islâmico acirrar seu discurso – o chanceler iraniano, Javad Zarif, tuitou em 27 de junho afirmando que “sanções não são alternativa à guerra; elas são a guerra”.
Não há como descartar a hipótese de o Irã ter percebido a mudança no tratamento que os Estados Unidos dão à Coreia do Norte. O ditador Kim Jong-un oferece muito menos em comparação com as concessões feitas pelo Irã no JCPOA, mas tem sido tratado com mais deferência pelo mundo ocidental e pelo próprio Trump, que provavelmente já consideram que os norte-coreanos conseguiu a bomba atômica. Por esse raciocínio, ter armas nucleares também fortaleceria o Irã nas negociações com as potências mundiais.
A melhor alternativa possível – que Estados Unidos e Irã voltem à mesa de negociação com boa vontade – parece, hoje, a mais improvável. Sobram as opções que representam algum tipo de ruptura: uma guerra aberta; a derrubada do regime islâmico pelos próprios iranianos, cansados dos efeitos das sanções americanas; ou o ingresso do Irã no clube dos países com armas atômicas, com um alto potencial de desestabilização em todo o Oriente Médio. A corrida nuclear iraniana – que tem como agravante o fato de o país financiar grupos terroristas, como o Hezbollah e o Hamas – é o mais novo desafio a uma comunidade internacional que, no passado, foi incapaz de frear países como Índia, Paquistão e Coreia do Norte.