Nesta quinta-feira, dia 10 de março, a Petrobrás anunciou nova alta nos combustíveis, na esteira da nova crise do petróleo provocada pelo conflito no Leste Europeu. Depois de 57 dias sem aumento, a partir desta sexta-feira, dia 11, o preço da gasolina para as distribuidoras passou de R$ 3,25 para R$ 3,86 por litro, um aumento de 18,8%, enquanto o diesel vai de R$ 3,61 para R$ 4,51, crescendo 24,9%. O gás de cozinha, por sua vez, passou de R$ 3,86 para R$ 4,48 por quilo, um reajuste de 16%.
Em resposta ao problema, o Congresso aprovou no mesmo dia um projeto de lei que impõe mudanças sobre a cobrança do ICMS. Segundo a nova regra, o imposto passará a ser cobrado na forma de um valor fixo por litro de combustível e uniforme para todos os estados e Distrito Federal, como já ocorre com os tributos federais PIS e Cofins, e não mais como um percentual do preço de venda. Hoje, o tributo é calculado no final de toda a cadeia de distribuição na forma de percentual no preço da venda, criando um “efeito cascata”. Atualmente, a alíquota varia de 23% a 34% sobre o preço da gasolina e de 12% a 25% no óleo diesel, dependendo da unidade federativa. Com a nova regra, os estados teriam que definir um percentual uniforme já este ano, durante reunião do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), órgão que reúne os secretários de Fazenda de todos os estados.
As decisões expõem a pressa de Brasília para dar resposta ao problema cadente da crise internacional dos combustíveis provocada pela invasão da Ucrânia pela Rússia, mas também revelam a tentativa de acomodar uma disputa em curso nos bastidores do governo. De um lado, setores ligados ao chamado Centrão, tendo como expoentes figuras como os ministros da Casa Civil, Ciro Nogueira, e do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, defendem mudanças nas políticas de preço da Petrobrás, para diminuir o impacto inflacionário do estresse no mercado internacional. Do outro lado, a equipe econômica comandada por Paulo Guedes defende meios alternativos de chegar ao mesmo resultado, como um teto para o ICMS, que impactaria diretamente no preço final pago pelos consumidores nos estados.
A disputa por óbvio guarda relação com o cenário eleitoral, mas também reflete uma preocupação genuína com a pressão inflacionária provocada pelo aumento do preço dos combustíveis. Ao contrário do que muitos analistas defendem na grande imprensa, o preço da gasolina já deixou de ser um problema das classes privilegiadas no Brasil há algum tempo. Os dados do último censo de 2019 revelam que cerca de 50% dos domicílios do país possuem ao menos um carro na garagem.
O aumento dos combustíveis também provoca impacto inflacionário. Quase 82% das cargas que circulam no país vão de caminhão. Isso significa que o preço do diesel impacta diretamente o preço do frete, o que tem consequências no valor final dos produtos consumidos pelos brasileiros. A cotação do diesel também afeta as tarifas de ônibus, com impacto direto no orçamento de milhões de famílias brasileiras.
O gás de cozinha, por sua vez, é outro item que sofre efeitos do que ocorre no mercado internacional. É um produto de primeira necessidade, cujo preço mexe substantivamente na vida dos mais pobres. Em um país cuja crise provocada pela pandemia já tinha feito com que famílias mais vulneráveis tivessem que retornar ao uso da lenha e do carvão para a cozinha, a notícia pode trazer impactos ainda mais perversos.
O tema é delicado e exige atenção da sociedade e dos governantes. Especialmente porque não se pode ter certeza sobre o quanto vai durar o desequilíbrio no mercado internacional. Economistas têm apontado que o boicote dos Estados Unidos e do Reino Unido ao petróleo russo pode levar facilmente o preço do barril a US$ 150,00. Nesse cenário de imprevisibilidade e insegurança, investidores tendem a fechar as torneiras, o que pode se transformar rapidamente em recessão global, considerando os impactos inflacionários provocados pelo desequilíbrio nos preços dos combustíveis. Para um mundo que ainda está se recuperando de dois anos de pandemia da COVID-19, os riscos são tremendos e não podem ser ignorados, especialmente se considerarmos a possibilidade de prolongamento dos conflitos no Leste Europeu ou mesmo a explosão de outros na esteira dos abusos cometidos pelos russos.
Nesse cenário, não há escolha fácil. É verdade que o preço final dos combustíveis tem relação direta com o sistema tributário, particularmente com o ICMS. Ainda que a ideia de mexer no tributo estadual pareça tentadora, é importante ter em vista que o ICMS corresponde na média de 15% a 20% do total da arrecadação dos estados, enquanto os impostos federais representam menos de 2% da arrecadação da União. Considerando que os estados são responsáveis diretos pela provisão de serviços de saúde, educação, segurança pública, assistência social, entre outros, o que inclui a folha de pagamento de milhares de servidores públicos, os impactos na arrecadação podem precarizar serviços essenciais. Ou seja, a operacionalização da mudança do cálculo tem que levar em conta um universo de decisões que exige cálculo, prudência e alinhamento entre entidades federadas e União.
É importante lembrar que a política de preços da Petrobrás, ligada ao mercado internacional, tampouco permite soluções simplistas. A empresa está comprometida com uma dívida milionária gerada pelas interferências irresponsáveis e escândalos de corrupção da gestão petista. E o Brasil não é autossuficiente em Petróleo, o que significa que parte do produto consumido aqui tem que ser trazido de fora, a preços tabelados pela cotação de mercado. Nesse sentido, atuar como no passado, retirando a empresa de uma posição mais responsável frente ao mercado internacional, pode agravar ainda mais a crise, cobrando seu preço em perda de credibilidade e de valor real de mercado da companhia.
Ou seja, a operacionalização da mudança do cálculo tem que levar em conta um universo de decisões que exige cálculo, prudência e alinhamento entre entidades federadas e União
Nesse sentido, o melhor caminho para superar o problema com o preço atual dos combustíveis seria trabalhar para reverter o atual cenário de desvalorização da moeda brasileira, que felizmente já mostra sinais de recuperação nos últimos meses. Quanto mais recados o governo fosse capaz de mandar para os mercados, com comprometimento em relação a reformas estruturais do Estado brasileiro e privatizações de ativos, maior seria a credibilidade do país, e, consequentemente, a valorização do real. Entre as reformas, por óbvio, a racionalização do sistema tributário também poderia ter efeitos positivos.
No curto prazo, também é possível avaliar de maneira mais racional a proposta de subsídios, ao menos para o gás de cozinha. Operacionalizar esse tipo de proposta não é fácil e exigiria mobilização em tempo recorde do governo. Porém, é importante lembrar que, faz bem pouco tempo, a equipe econômica atual demonstrou capacidade de criar mecanismos de contenção de crise para lidar com os efeitos perversos da pandemia e com a paralisação da atividade econômica. Em momentos de crise, é preciso usar a criatividade e aproveitar o potencial oferecido pelas novas tecnologias.
Nada disso exclui opções de médio e longo prazo para atingir um preço mais razoável para o combustível pago pelos brasileiros, mas não se pode negar que a crise atual tem um potencial destruidor para a vida de muitos brasileiros, que não podem ser submetidos sem qualquer tipo de proteção ao funcionamento das forças de mercado num período em que elas são alteradas pela sanha expansionista de um autocrata irresponsável no Leste Europeu.
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