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| Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo

O desarranjo fiscal que o governo Dilma Rousseff deixou para o país como uma “herança maldita” ainda levará muito tempo para ser desfeito. Déficits primários na casa dos R$ 150 bilhões não são revertidos da noite para o dia; o governo Temer se esforçou, aprovou o teto de gastos, mas não conseguiu consolidar uma trajetória de eliminação do déficit, em parte porque não foi capaz de aprovar reformas como a da Previdência. O desafio ficará para Jair Bolsonaro e para sua equipe econômica, capitaneada por Paulo Guedes. Mas não apenas o governo federal tem de trabalhar duro: os estados estão em situação tão ou mais dramática que a União.

A leitura do relatório Exposição da União à insolvência dos entes subnacionais, preparado pela Secretaria do Tesouro Nacional, ajuda a compreender o tamanho do problema, que também afeta o governo federal, credor dos estados. “A combinação entre políticas fiscais pouco prudentes, déficits previdenciários crescentes, guerra fiscal, excesso de vinculações de receitas e contratação de dívidas por entes em situação financeira frágil, associada ao aumento de despesas obrigatórias diante da intensidade da crise econômica entre meados de 2014 e início de 2017, permitiu que as finanças de alguns estados se deteriorassem significativamente e colocassem em risco o Sistema de Garantias da União”, resume o estudo.

O governo federal e os estados renegociaram essas dívidas em 2016, e o acordo resultante estabeleceu que o refinanciamento estaria condicionado a uma série de medidas por parte dos estados, como a adoção de um teto de gastos semelhante ao implantado na esfera federal pela PEC do Teto. No entanto, foram poucos os estados que efetivamente adotaram uma postura de austeridade – o relatório mostra, por exemplo, que reformas previdenciárias em nível estadual foram feitas apenas em algumas unidades da Federação e, em alguns casos, as mudanças aprovadas nem foram implantadas ainda. Os gastos com pessoal (ativos e inativos) explodiram entre 2005 e 2016. Neste período, em que o PIB nacional cresceu 52,61%, apenas cinco estados aumentaram seus gastos totais com pessoal em menos de 50%; a regra foi o descontrole: Paraná, Maranhão, Distrito Federal Mato Grosso, Pará, Tocantins e Roraima elevaram a despesa com pessoal ativo em mais de 80%. No mesmo intervalo, Piauí e Rio de Janeiro aumentaram gastos com aposentados em mais de 40%, e Minas Gerais chegou muito perto desse patamar.

A União acostumou os entes subnacionais até eles terem certeza absoluta do socorro federal quando a corda apertasse

O resultado? Em 2017, os gastos com ativos e inativos superaram o limite da Lei de Responsabilidade Fiscal – 60% da receita corrente líquida – em 14 estados, segundo a Secretaria do Tesouro Nacional. E sete unidades da Federação (Acre, Ceará, Mato Grosso, Pará, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Santa Catarina) já avisaram a Fazenda que não conseguirão respeitar o teto combinado com o governo federal quando refinanciaram suas dívidas, o que pode levar à revogação dos benefícios acertados em 2016. Como os governos estaduais simplesmente não podem se recusar a pagar os salários e aposentadorias, e também têm gastos obrigatórios em rubricas como saúde e educação, sobra muito pouco – quando sobra – para investimentos. No médio prazo, quando não no curto prazo, a consequência natural dessa trajetória é a insolvência.

Recombinação do pacto federativo, reforma tributária, fim da guerra fiscal, todos esses são meios de recuperar a capacidade financeira dos estados sem que eles tenham de peregrinar periodicamente até Brasília com o pires na mão. Mas este é um quadro de mudanças substanciais que exigirá muito tempo até virar realidade, e os estados precisam de socorro imediato. Ele não tem como vir, no entanto, da União, que, às voltas com seu próprio teto de gastos e a possibilidade de descumprir a “regra de ouro” (que impede o endividamento para pagar despesas correntes), está incapaz de fornecer qualquer ajuda enquanto não aprovar a reforma da Previdência. Ela, além de livrar recursos no caixa federal, ainda teria o efeito colateral benéfico de forçar os estados a adotar regras semelhantes.

Leia também: A calamidade financeira dos estados (editorial de 26 de abril de 2016)

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A esperança mais imediata vem de um megaleilão de áreas do pré-sal previsto para 2019 e que poderia render até R$ 100 bilhões. Há duas opções na mesa atualmente: entregar 20% desse dinheiro aos estados, ou torná-los “sócios” do Fundo Social do pré-sal, recebendo recursos enquanto durar a exploração. Uma opção representa socorro substancial e imediato; a outra, repasses menores, mas que pingarão nos caixas estaduais por um prazo longo. Os envolvidos na negociação – o presidente do Senado, Eunício Oliveira; o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia; e o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes – ainda divergem sobre a melhor solução.

Independentemente da opção escolhida, Guardia já afirmou que o governo federal não pode continuar bancando a irresponsabilidade dos estados. O relatório do Tesouro Nacional aponta que, por muitas décadas, a União acostumou os entes subnacionais até eles terem certeza absoluta do socorro federal quando a corda apertasse, criando a situação conhecida como “risco moral”. O endividamento dos estados, seja tomando dinheiro diretamente da União, seja de entes privados, precisa estar submetido a regras mais rígidas, ao lado do que os autores do estudo chamam de “uma política crível de não salvamento (no bail-out policy) pelo governo central”. E, nos casos em que a insolvência for inevitável, é preciso estabelecer mecanismos que imponham verdadeira disciplina fiscal durante a renegociação. Sem isso, é muito difícil esperar que os governos estaduais se emendem. E o resultado da farra fiscal, como bem sabem os servidores fluminenses e gaúchos com salários atrasados, ou todos os brasileiros que veem a deterioração em serviços de responsabilidade dos estados, cai sempre sobre a população.

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