A relação entre os poderes Legislativo e Judiciário, que já vinha ruim, está quase rompida, em uma crise institucional que pode ser considerada a mais séria desde a redemocratização. Na segunda-feira, em decisão liminar monocrática, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello determinou que Renan Calheiros (PMDB-AL) deixasse a presidência do Senado, com base no entendimento da corte suprema de que um réu não pode estar na linha sucessória da Presidência da República – o próprio STF aceitou na semana passada uma denúncia contra Calheiros. Por mais que o julgamento dessa questão ainda não esteja concluído, pois Dias Toffoli pediu vista, já havia maioria em torno da tese vencedora, o que, na avaliação de Marco Aurélio, respalda sua decisão.
E, diante de decisões do Judiciário, a única atitude aceitável é cumpri-las. Por isso é sumamente grave a atitude da Mesa Diretora do Senado, que optou pela desobediência aberta e pela manutenção de Calheiros no cargo – o documento teve até mesmo a assinatura do petista Jorge Viana, que assumiria a presidência do Senado com a saída do peemedebista alagoano. Não interessa, como alegaram os integrantes da Mesa, que a liminar tivesse impacto nas votações do Senado, especialmente aquelas relacionadas ao necessário esforço fiscal; nem que a decisão monocrática se baseasse em um julgamento ainda em andamento. Pode-se até considerar a liminar equivocada, mas é a decisão de um ministro do STF, e há como solucionar a controvérsia institucionalmente – o próprio Senado apresentou recurso – em vez de partir para uma rebeldia que poderia até sujeitar Calheiros e os integrantes da Mesa Diretora a uma ordem de prisão, caso ela fosse solicitada.
Diante de decisões do Judiciário, a única atitude aceitável é cumpri-las
Gravíssimo, sim, esse conflito entre os poderes. Mas, felizmente, ainda não se chegou ao ponto de um abalo destruidor nos alicerces da República porque, no fundo, bem sabem os protagonistas, os coadjuvantes e a plateia – no caso, uma audiência formada por um país inteiro – tratar-se de uma pantomima. Calheiros tinha apenas mais algumas poucas sessões à frente do Senado, e depois do recesso parlamentar cederia a cadeira ao senador que, em fevereiro, fosse eleito para sucedê-lo. Um político que, efetivamente, não tem a menor condição moral de comandar uma casa legislativa encontrou um magistrado afeito aos holofotes – aliás, não apenas um, mas dois, pois o ministro Gilmar Mendes resolveu intervir, sugerindo até mesmo o impeachment de Marco Aurélio por tomar tal decisão sem consultar seus pares – e, juntos, dão um espetáculo deplorável.
A Mesa Diretora do Senado pelo menos não queimou todas as pontes em seu ato de desobediência: ao mesmo tempo em que desafia o Supremo, deixa nas mãos da própria corte a possibilidade de resolver a crise, com a análise da liminar pelo plenário – a sessão que vai confirmar ou derrubar a decisão de Marco Aurélio está prevista para ocorrer já nesta quarta-feira; que os ministros tenham o bom senso de perceber o caos que um prolongamento desse julgamento poderia trazer.
O Brasil pode dar os próximos dois meses como perdidos. Parece improvável, neste momento, que o plenário do STF revogue a liminar de Marco Aurélio e devolva o comando do Senado a Calheiros. Salvo uma nova rebeldia da Mesa Diretora do Senado – o que, isso sim, teria um potencial amplamente destrutivo –, Viana acabará assumindo o posto. Se assim for, que tenha o bom senso de não fazer nenhuma loucura, mantendo a atividade legislativa até o recesso sem trazer, por exemplo, projetos nefastos como aquele sobre o abuso de autoridade de juízes e membros do Ministério Público. É verdade que, se seguir a orientação de seu partido, Viana também congelará o esforço fiscal, suspendendo a segunda votação da PEC do Teto de Gastos. Mas, entre dois meses sem a PEC do Teto e a perpetuação do conflito aberto entre Senado e Supremo, a primeira opção sem dúvida é a menos daninha para o país.
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