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A opinião pública acompanha com justificado estupor e revolta o que se passa no Congresso Nacional. Já nos aproximamos da metade do ano legislativo e suas duas Casas continuam chafurdando na lama dos escândalos que se revelam a todo minuto, sem tempo ou sem moral para debater ou colocar em votação matérias fundamentais para o país. Ao contrário, sua energia até agora foi toda gasta com a regurgitação dos seus próprios excessos.

A crise é política? Não, a crise é moral. Atenta contra os bons costumes, ofende a consciência honesta da maioria do povo brasileiro, inconformada com o comportamento daqueles que assumiram, por meio do voto, o compromisso de bem representá-lo. Sucedem-se com estrepitosa velocidade as denúncias que envolvem a maioria dos deputados e senadores. Já não lhes basta contar com privilégios impensáveis para o trabalhador comum, pois deles ainda abusam com desmedida desfaçatez. Passagens aéreas são utilizadas para viagens de passeio ao exterior de parentes e namoradas; telefones celulares são franqueados a filhos; auxílio-moradia é pago até para quem tem residência fixa em Brasília; serviços médicos de primeira classe são usufruídos até mesmo por aqueles que já não têm mandatos... Claro, tudo à custa do dinheiro público!

Se a crise, em si mesma, é, como se vê, de natureza moral e ética – pois nela não estão presentes nobres diferenças político-partidárias, ideológicas ou de visão administrativa, próprias das melhores democracias, mas apenas espertezas indignas –, é de se reconhecer que não falta muito para que tal quadro acabe se cristalizando como uma grave questão política. Dois fatores concorrem para que cheguemos logo a tal ponto.

O primeiro deles é que tais escândalos contribuem para o aprofundamento do descrédito que de há muito marca a classe política e, consequentemente, o próprio Congresso Nacional, distanciando-o cada vez mais do respeito público reverencial com que deveria ser cercado. A este se soma o segundo fator – o da sensação cada vez mais palpável de que o Parlamento brasileiro é uma instituição desnecessária, na medida em que a sua paralisação não parece influir para o bem na vida nacional.

Reside nesses pontos o perigo com que o país se defronta. À inação congressual assumem papel legislativo os demais poderes da República. Executivo e Judiciário veem-se na contingência (ou com liberdade para) de fazer leis, numa evidente distorção dos princípios constitucionais que conformam a organização do Estado brasileiro e que preveem como cláusulas pétreas a autonomia e a harmonia dos poderes constituídos.

Diante de tal situação anômala – já caracterizada em inúmeros e importantes exemplos nos últimos tempos, em que principalmente o Judiciário legislou –, assanham-se algumas correntes que chegam a pregar a extinção do Congresso. Ou, como o fez recentemente o senador Cristovam Buarque, a propor a realização de plebiscito para que o povo decida se o Parlamento deve ser fechado.

Trata-se de um perigo para a democracia – ainda que fique circunscrito apenas ao plano do sentimento popular – imaginar-se tal disparate. A solução não está aí. A solução está na restauração da moralidade, na retomada daquele brio cívico que tantas vezes engrandeceu o Congresso Nacional, pois, como assinalou o pensador italiano Norberto Bobbio, até pode existir parlamento nas ditaturas, mas não pode existir democracia sem parlamento.

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