Depois da "herança maldita" e dos "brancos de olhos azuis", agora é em Eike Batista que o governo coloca a culpa pela situação da economia brasileira
Pobre Eike Batista: não bastassem as dificuldades que suas empresas estão enfrentando, com dificuldade para pagar dívidas e valor de mercado em queda livre, o ex-bilionário ganhou de presente uma cruz pesada demais para carregar: a culpa pelo descrédito com que o mercado internacional vem olhando o Brasil ultimamente. "A situação da OGX já causou um problema para a imagem do país e para a Bolsa da Valores", disse, na segunda-feira passada, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, referindo-se à empresa de petróleo do grupo EBX. Mantega ainda deixou claro que Eike está sozinho na tentativa de resgatar a OGX, que foi inflada com generosa ajuda do governo, via BNDES. "É uma solução de mercado. Espero que eles consigam se ajeitar o mais rápido possível", afirmou o ministro, que ultimamente vem se destacando pelas suas previsões irreais a respeito do crescimento do país.
Eike não é o primeiro bode expiatório do petismo, que tem o hábito recorrente de culpar os outros pelos desacertos do governo e pelos problemas do país. Assim que assumiu, Lula não perdia uma chance de se referir à "herança maldita" deixada por Fernando Henrique Cardoso, termo que só perdia em frequência de uso para o "nunca antes neste país". O ex-presidente nunca chegou a explicar exatamente que "herança maldita" era essa: seria a estabilização da moeda? A Lei de Responsabilidade Fiscal? O saneamento dos bancos? A privatização das telecomunicações? A muleta da "herança maldita" tinha dupla finalidade: deixar claro que o governo Lula estava reconstruindo o Brasil do zero e eximir o PT de culpa por qualquer solavanco nesse processo de reconstrução, uma espécie de "já estava assim quando eu cheguei".
Quando a vida útil da "herança maldita" já estava no fim, com o PT no governo por tempo suficiente para ter resolvido muitos dos problemas atribuídos aos antecessores, Lula ganhou de presente outro bode expiatório. Depois de um crescimento consistente no PIB de 2003 a 2008, a economia do Brasil encolheu em 2009, como consequência da crise internacional (aquela que, no Brasil, seria sentida apenas como uma "marolinha", nas palavras do então presidente em outubro de 2008). Em março daquele ano, Lula já tinha escolhido seus culpados: os "brancos de olhos azuis", afirmou, ao lado do então premiê britânico, Gordon Brown. É claro que a crise teve influência importante no desempenho da economia nacional, e que o Brasil sofreu menos que vários outros países, mas também é preciso lembrar que o governo não aproveitou os anos anteriores para fazer as reformas e os investimentos que permitiriam ao Brasil passar com tranquilidade pela turbulência mundial.
A já muito citada edição de 28 de setembro da revista britânica The Economist apresentou uma lista infindável de gargalos que emperram a economia brasileira. O que Eike Batista e os banqueiros internacionais, por exemplo, têm a ver com a deterioração da infraestrutura brasileira, que tira competitividade dos nossos exportadores? Foram os "brancos de olhos azuis" que definiram as políticas protecionistas ou decidiram ser tolerantes com uma inflação que ronda os 6% ao ano? Foi o dono da EBX que elevou a carga tributária brasileira de 31,8% do PIB em 2003 para 36,27% no ano passado? Foi Wall Street a responsável pela 130.º colocação do Brasil, entre 185 países, no mais recente ranking do Banco Mundial que mede o clima para negócios? Qual a responsabilidade de Eike Batista no aparelhamento político da Petrobras, que completou 60 anos na quinta-feira passada sem muito o que festejar, graças a maus resultados que são fruto de decisões populistas?
Ao contrário do que costuma dar a entender em sua propaganda política, o PT não construiu o Brasil a partir do zero; isso significa, da mesma forma, que parte dos gargalos econômicos do país também não surgiu em 2003. Mas o partido está no poder há 11 anos (o período mais longo de um grupo à frente do país, exceto pelos períodos ditatoriais), quase sempre com maioria parlamentar que permitiria fazer muito pelo Brasil. Mas o que se vê é o crescimento do protecionismo, do desperdício, da burocracia, da "criatividade contábil" para fechar as contas públicas, do aparelhamento do Estado a serviço do partido. Isso é o que causa o descrédito internacional em relação ao país, e se deve apenas a decisões do próprio governo; não é fruto de nenhuma "herança maldita", da ação dos "brancos de olhos azuis" ou de ex-bilionários em dificuldades. Mesmo assim, o PT, Lula, Dilma e Mantega se recusam a admitir que têm culpa no cartório. E, como sabe qualquer pessoa que já lidou com dependentes, sem admitir o problema é impossível sair do buraco.
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