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Editorial

A defesa de Lula e a aposta na confusão

 | Roberto Vinícius/Estadão Conteúdo
(Foto: Roberto Vinícius/Estadão Conteúdo)

O habeas corpus é um instrumento tão importante que é previsto no artigo 5.º da Constituição Federal, aquele que trata dos direitos e garantias: “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”, diz o inciso LXVII. Por isso, quando a defesa do ex-presidente Lula vai ao Superior Tribunal de Justiça para impedir que ele seja levado para a cadeia assim que terminar o julgamento dos embargos no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, está no seu direito. O que não significa, claro, que todo pedido de habeas corpus tenha fundamento, e o ministro Humberto Martins, vice-presidente do STJ, acertou em cheio ao negar liminar – o mérito da questão será julgado pela 5.ª Turma da corte.

Acontece que a defesa de Lula esteve muito longe de mostrar que o ex-presidente estava sendo submetido a procedimentos arbitrários. A prisão, se vier, não terá nada de ilegal, estando amparada no entendimento do Supremo Tribunal Federal segundo o qual o cumprimento da pena pode começar a partir da decisão da segunda instância, e não será decretada antes que se esgotem todos os recursos possíveis no TRF4. Os argumentos dos advogados priorizaram a narrativa política, desviando-se sempre que possível do caso concreto pelo qual o ex-presidente foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro.

A defesa de Lula esteve muito longe de mostrar que o ex-presidente estava sendo submetido a procedimentos arbitrários

De todos os argumentos falaciosos empregados pela defesa, um dos mais esdrúxulos é o fato de Lula ser pré-candidato à Presidência da República e liderar as pesquisas de opinião. Em outras palavras, os advogados estão dizendo que a lei não vale para todos – se o sujeito em questão tem pretensões eleitorais e popularidade, deveria estar acima de bobagens como o Estado Democrático de Direito e os juízes deveriam reconhecer esse status, concedendo-lhe carta banca, imunidade, o que for. Prender Lula seria “um prejuízo irreversível ao exercício da democracia no país”, quando todos sabem que o verdadeiro “prejuízo à democracia” seria isentar pessoas do cumprimento da lei.

O que salta aos olhos neste argumento é o fato de misturar a questão criminal com a questão eleitoral. Justamente o contrário do que a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann, diz quando promete registrar a candidatura de Lula apesar do que diz a Lei da Ficha Limpa sobre a inelegibilidade de pessoas condenadas por colegiados: ela tem repetido insistentemente que a condenação na esfera criminal é uma coisa e a análise da candidatura na Justiça Eleitoral é outra. Mas, antes que alguém diga que Gleisi e os advogados de Lula estão batendo cabeças, a verdade é que há método nesta loucura. Os petistas, Lula e sua defesa mudam o discurso conforme a conveniência: às vezes o melhor é manter o criminal isolado do político-eleitoral, outras vezes mistura-se tudo. Como a clareza cristalina é fatal para as pretensões de Lula, quanto mais confusão, melhor.

Mas o STJ é apenas um caminho que Lula precisa trilhar para atingir seu objetivo, que é levar seu caso ao Supremo Tribunal Federal. Lá, ele espera contar com a benevolência de alguns ministros para que criem uma “jurisprudência Lula”, revertendo o entendimento que permite a prisão após a condenação em segunda instância e, assim, livrando o ex-presidente da cadeia, pelo menos por enquanto. Típico de Lula, acostumado a rebaixar as instituições para conseguir que tudo saia do seu jeito – daí a iniciativa petista de entupir o Judiciário com 1 milhão de pedidos de habeas corpus. Que o Supremo perceba a perversidade da trama e saiba resistir com dignidade.

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