O atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luiz Fux, voltou a fazer uma defesa enfática da aplicação da Lei da Ficha Limpa no processo eleitoral que terminou de se desenhar, com o encerramento do período de convenções partidárias que consagraram os candidatos à Presidência da República. Agora, começam os registros de candidatura, que precisam ser feitos até o dia 15, e um caso especial será o teste definitivo para a legislação eleitoral: o do ex-presidente Lula, condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, com decisão em segunda instância, o que o torna inelegível.
Durante evento em Salvador, no dia 31 de julho, Fux – que também é ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) – não deixou margem para dúvidas ao dizer que “um político enquadrado na Lei da Ficha Limpa não pode forçar uma situação, se registrando, para se tornar um candidato sub judice”. O ministro não quis citar nomes, mas nem era necessário, pois o PT já anunciava essa estratégia desde o início de 2018, quando veio a condenação no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região. A candidatura de Lula seria registrada apesar da inelegibilidade, contando com recurso atrás de recurso para mantê-lo na disputa, ainda que em caráter provisório.
Na impossibilidade de ganhar, o PT vai com tudo para tumultuar o jogo eleitoral
Mas Fux também traçou o roteiro para que a Justiça Eleitoral escape dessa armadilha. “O candidato sub judice é aquele que tem a sua elegibilidade ainda sujeita à apreciação da Justiça”, explicou. Mas quem tem condenação em segunda instância pelos crimes descritos na Lei da Ficha Limpa está em situação diferente: “o candidato condenado em segunda instância já é inelegível. É um candidato cuja situação jurídica já está definida. Não pode concorrer um candidato que não pode ser eleito”.
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A distinção feita por Fux, embora evidente, será ignorada pelo PT para dar a entender que Lula é apenas provisoriamente um ficha-suja, e que a qualquer momento um tribunal superior poderia, com uma canetada, colocar Lula no páreo – uma possibilidade que só não pode ser completamente afastada porque alguns dos colegas de Fux no Supremo parecem mais inclinados em seguir a própria vontade que a letra da lei. Mas, para que algo desse tipo ocorra, será preciso pisar na Lei da Ficha Limpa de um modo acintoso como nunca antes neste país, para usar uma expressão tão ao gosto do presidente-presidiário.
Resta a controvérsia sobre a possibilidade de a Justiça Eleitoral rejeitar “de ofício” o registro de candidatura de um ficha-suja. Há quem defenda que o indeferimento só pode ocorrer após algum adversário, ou o Ministério Público, solicitarem a impugnação, o que daria início a um processo que poderia se arrastar até 17 de setembro, 20 dias antes do primeiro turno. No entanto, há jurisprudência que embasa a rejeição imediata do registro pela autoridade eleitoral. De fato, não há por que, num caso em que as circunstâncias de inelegibilidade são tão notórias, desperdiçar tempo e recursos da Justiça Eleitoral em um mero teatro jurídico cujo desfecho é mais que previsível. Isso sem falar nas verbas públicas destinadas à campanha pelos megafundos partidário e eleitoral, e que serão usadas por candidatos ficha-suja. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, já se adiantou e afirmou que o Ministério Público Federal pedirá o ressarcimento do dinheiro usado por aqueles que insistiram em registrar sua candidatura e fazer campanha mesmo conscientes da sua condição de inelegíveis.
Com a reafirmação da candidatura de Lula na convenção do PT, fica claro que, na impossibilidade de ganhar, o partido vai com tudo para tumultuar o jogo eleitoral. É o descaso completo com a legislação, com a Justiça, com a democracia, com o eleitor, enfim, com o país. A fala de Fux mostra que a Justiça está atenta; que ela saiba cortar a confusão pela raiz, em vez de alimentá-la.