O velho clichê do criminoso internacional que vem ao Brasil desfrutar da impunidade é coisa do passado. Agora, o Brasil inteiro se revolta com o fato de Joesley Batista, peça importante em um enorme esquema de corrupção, ver o país pegar fogo instalado confortavelmente em seu apartamento na Quinta Avenida, em Nova York. O detalhe é que o dono da JBS nem precisou de uma fuga espetacular: foram as próprias autoridades brasileiras que permitiram sua viagem, como parte do acordo de delação premiada assinado pelo empresário. O crime compensou?
Não faltam acusações de que a Operação Lava Jato estaria “banalizando” a delação premiada, que permitiria a muitos, inclusive em posições de comando, cumprir penas menores ou passar para a prisão domiciliar, com tornozeleiras eletrônicas. Não nos parece que essa observação proceda. As delações de executivos da Odebrecht, por exemplo, mostram que elucidar totalmente o esquema da empreiteira seria difícil sem informações vindas diretamente da cúpula da empresa. A análise precisa ser feita caso a caso, movida por uma pergunta fundamental: o que o delator pode entregar compensa o benefício pretendido?
O que o delator pode entregar compensa o benefício pretendido por ele?
No caso da JBS, não há a menor dúvida de que Joesley tinha em mãos material explosivo, capaz de abalar a posição do presidente da República e derrubar um senador que presidia um dos principais partidos políticos do país. Centenas de outros políticos são mencionados, inclusive os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff. Dada a proximidade de Joesley Batista com o poder – foi graças aos generosos empréstimos do BNDES e à política petista de “campeões nacionais” que a JBS se tornou gigante –, era óbvio que ele sabia demais.
A oferta feita pela Procuradoria-Geral da República foi generosa: o não oferecimento de denúncia, imunidade em investigações já existentes e o perdão judicial no caso de denúncias já oferecidas. Em vez de tornozeleira, autorização para viajar e viver no exterior. O “castigo” ficou resumido a uma multa de R$ 110 milhões, valor que já teria sido obtido com o lucro de negociações cambiais feitas pouco antes da divulgação jornalística do conteúdo da delação e que estão sob investigação.
Terá a PGR agido bem? Por um lado, os irmãos Batista nadaram em dinheiro do BNDES, compraram políticos em benefício próprio e de seus padrinhos – como no caso dos deputados que votariam contra o impeachment de Dilma –, tinham na mão procuradores e juízes. Joesley só foi capaz de entregar muito porque a extensão de seus crimes era enorme. Por outro lado, o delator trouxe informações bombásticas – e ainda não se conhece a totalidade do material que ele reuniu –, além de ter sido sua a iniciativa de procurar as autoridades e correr alguns riscos nas chamadas “ações controladas”.
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Avaliando o que já se tornou público a respeito do acordo, parece-nos que os irmãos Batista saíram em vantagem. A impunidade total é uma concessão excessiva que tem sérias consequências do ponto de vista moral, e que só se justificaria por circunstâncias absolutamente extraordinárias que, se existirem, ainda não são do conhecimento da opinião pública. Merecem atenção, ainda, aspectos como a velocidade com que o acordo foi fechado (Joesley se dizia ameaçado de morte e tinha pressa; até por isso a PGR tinha condições de impor termos menos lenientes); a divulgação de uma prova fundamental, como a conversa com o presidente Temer, sem que tivesse sido feita uma perícia na gravação; e o fato de um procurador que trabalhava com Rodrigo Janot ter deixado o serviço público e ido, sem quarentena, para o escritório de advocacia que negocia o acordo de leniência da JBS. Esse conjunto faz crer que talvez a PGR não tenha conseguido o melhor acordo possível.
A duras penas a Lava Jato mostrou aos brasileiros que não havia ninguém acima da lei, e essa é uma das causas do enorme apoio popular da operação – um apoio que sai abalado com o que é percebido como impunidade dos irmãos Batista. Apenas novas revelações sobre a negociação do acordo que justifiquem as enormes concessões feitas impedirão a decisão da PGR de ser vista como algo que destoa da condução que tem sido dada à Lava Jato.
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