Quando um político do naipe de Renan Calheiros fracassa em sua tentativa de conseguir um cargo tão importante quanto a presidência do Senado, não há dúvidas de que o Brasil ganha. Mas o preço que o país pagou para vê-lo longe da cadeira com a qual ele sonhava foi presenciar um festival de horrores que fez da chamada “Câmara Alta” do parlamento uma baixeza só: senadores realizando manobras contra e a favor de Calheiros, atropelando o regimento interno da casa; o inacreditável episódio em que a senadora Kátia Abreu (MDB-TO) simplesmente tomou a pasta com documentos da sessão da noite de sexta-feira; e, por fim, um escrutínio fraudado.
A sessão da sexta-feira começou mal ao ser presidida por um candidato declarado na eleição para a presidência da casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP) – justamente aquele que acabaria vencendo a disputa. Por mais que ele fosse o único remanescente da Mesa Diretora eleita em 2017, seu interesse óbvio na sessão que conduzia aconselharia que ele entregasse o comando ao senador mais velho da casa, José Maranhão (MDB-PB), o que acabou ocorrendo no sábado por força de decisão judicial.
O comportamento e a força de Renan Calheiros e seu grupo daqui em diante ainda são incógnitas
O questionamento sobre a legitimidade de Alcolumbre para presidir uma eleição na qual ele era candidato foi intensificado porque ele ainda permitiu uma tentativa de realizar uma votação aberta. O Regimento Interno do Senado prevê, no artigo 60, a eleição secreta para a Mesa Diretora. Para que a votação fosse aberta, só haveria duas possibilidades: alterar o regimento, o que exige um projeto de resolução, com prazos de tramitação iguais aos de um projeto de lei; ou uma decisão unânime do plenário com voto nominal, prevista no artigo 412, III, do próprio Regimento. Mas a questão de ordem que pedia o voto aberto venceu por 50 votos a 2, ou seja, não havia unanimidade. Isso levou o MDB e o Solidariedade a recorrerem ao Supremo Tribunal Federal. Na madrugada de sábado, o ministro Dias Toffoli decidiu que a votação seria fechada e a sessão daquele dia seria conduzida por Maranhão.
Independentemente da preferência que cada um tenha pela votação secreta ou aberta, não há como criticar a decisão de Toffoli, que buscou fazer cumprir o que os próprios senadores decidiram quando votaram seu Regimento Interno e estabeleceram os meios de alterá-lo. Desta vez, não se trata de interferência indevida de um poder sobre outro, ao contrário do que havia feito seu colega Marco Aurélio Mello quando decidiu pela votação aberta, justamente contrariando o regimento do Senado.
Resolvida a controvérsia, os senadores voltaram a se reunir no sábado para a votação secreta, em cédulas de papel, modo escolhido por pressão dos que desejavam o voto aberto, para permitir aos senadores mostrar ao eleitorado quem era o seu escolhido, ainda que corressem o risco de cometer uma violação regimental. No primeiro escrutínio, um único envelope continua duas cédulas com o nome de Calheiros. Com as cédulas destruídas e uma nova votação em curso, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) declarou voto em Alcolumbre. Foi a deixa para um Calheiros indignado se retirar da disputa e do plenário, deixando o caminho livre para o senador do Democratas vencer no primeiro turno.
O até agora inexpressivo Alcolumbre certamente não vai colocar obstáculos à pauta do presidente Jair Bolsonaro, especialmente no que diz respeito às reformas. A incógnita é como Renan Calheiros e seu grupo passarão a se comportar daqui em diante. O senador já deu inúmeras demonstrações de que sua palavra não vale absolutamente nada. Até outubro de 2018, pedia “Lula livre” e apoiava Fernando Haddad contra Bolsonaro. Dias atrás, jurava que não tinha mais interesse na presidência do Senado, o que, como havíamos imaginado, não passava de subterfúgio para continuar articulando nas sombras, longe da rejeição popular; quando reapareceu como candidato, prometia ser “um Renan liberal, que vai ajudar a fazer as reformas”. O mais provável é que a guinada liberal tenha acabado neste sábado e voltemos a ver o que ele mesmo chamou de “Renan velho”.
E que força terá Calheiros? Há dois indicadores positivos. O alagoano desistiu da disputa porque percebeu que, mesmo com a votação secreta, perderia a eleição – os 50 votos da noite anterior a favor da votação aberta, que o prejudicava, já eram um indicativo. E, mesmo no MDB, ele já não era unanimidade, pois cinco colegas de bancada queriam Simone Tebet na disputa. Diante disso, só resta esperar que, se Calheiros realmente quiser ser uma pedra no sapato das reformas, não tenha como arrastar muito apoio consigo. Que este seja o início da trajetória descendente de um dos representantes da “velha política” que ainda sobrevivem no parlamento.