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editorial

A derrota do saneamento

O Brasil é um país rico de recursos naturais, tem excelência empresarial em vários setores da economia e teve boa evolução social depois da redemocratização em 1985. Como todos os países do grupo de emergentes, o Brasil apresenta um conjunto de virtudes econômicas e sociais, mas também apresenta uma pilha de problemas graves que requerem atenção urgente. Embora a gravidade dos problemas varie, entre os mais dramáticos está o setor de saneamento básico. Neste ponto está uma das maiores derrotas sociais, conforme aponta estudo feito pela Fundação Getulio Vargas, cujo resumo está na revista Conjuntura Econômica de junho passado.

A Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental (SNSA), vinculada ao Ministério das Cidades, elaborou estudo em 2012 com 5.070 municípios no qual mostra que, apesar de o índice de atendimento com rede de água ser de 82,7%, o porcentual de brasileiros atendidos com coleta de esgotos é de apenas 48,3%, e o tratamento do esgoto gerado é de sofríveis 38,7%. Ou seja, a faixa de brasileiros fora desses dois serviços vai de 100 milhões a 120 milhões de pessoas. Trata-se de uma derrota social grave, pois, no mundo desenvolvido, esse problema foi resolvido no século 19.

Em 2010, a presidente Dilma inscreveu em seu plano de governo que um dos objetivos de sua gestão era recuperar o atraso nessa área. Mesmo sendo um gargalo de graves consequências em termos econômicos e em termos de saúde pública – cuja solução deveria fazer parte das três maiores prioridades nacionais –, o fato de metade da população brasileira não ser beneficiada com rede de coleta de esgoto somente persiste porque essa chaga não tem o potencial político explosivo de outros dramas, como falta de ônibus e caos na saúde pública.

A maior e mais importante revolução tecnológica – aquela que teve o maior impacto sobre o aumento da produtividade e a melhoria do padrão de vida da humanidade – ocorreu entre 1870 e 1900, e suas três invenções mais profundas foram a eletricidade, o motor a combustão interna e a água encanada. Essa revolução tecnológica possibilitou o aumento explosivo da produção por habitante e respondeu também pelo aumento da expectativa média de vida da população mundial. Um dos efeitos foi o desenvolvimento industrial e a mecanização da agricultura, levando ao crescimento acelerado das cidades, a ponto de, segundo dados da Organização das Nações Unidos (ONU), 70% dos habitantes da Terra estarem vivendo nas cidades em 2050.

Com o rápido aumento da população urbana, um dos serviços mais relevantes para a melhoria de vida e de saúde pública é a coleta e o tratamento do esgoto gerado. Embora todos os governos falem em dar prioridade a essa área, a ineficiência estatal vem respondendo por entraves e baixo progresso na solução do atraso. No Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) foram inscritas 149 obras referentes a esgoto, das quais mais da metade está em situação de atraso, paralisação ou nem sequer iniciada, conforme cita a revista Conjuntura Econômica. O resumo informa que, das 149 obras previstas, apenas 28 foram concluídas, 28 estão em andamento normal, 35 foram paralisadas, 33 estão atrasadas, 20 não foram iniciadas e 5 estão sem medição.

E, mesmo que todas essas obras tivessem sido concluídas, ainda haveria um gargalo enorme a ser vencido nos próximos anos. Como a população brasileira continua aumentando em torno de 2 milhões de habitantes por ano, as perspectivas não são boas. A campanha eleitoral é um bom momento para a população tomar ciência do drama que o país vive na área de saneamento básico e pressionar os candidatos para o enfrentamento desse triste quadro.

Se a falta de rede de esgotos e de usinas de tratamento recebesse uma fração da indignação nacional dada à derrota do Brasil para a Alemanha na Copa do Mundo, quem sabe os governantes se vissem forçados a dedicar mais atenção aos planos e obras vinculadas a esse setor, porque aqui sim está uma das maiores derrotas sociais do país.

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