Enquanto o Ministério da Saúde continua lutando para mitigar os efeitos sanitários da pandemia do coronavírus no Brasil, outra pasta, a da Economia, está debruçada sobre outro desafio importante: amenizar os efeitos das necessárias medidas de restrição tomadas para frear a disseminação da Covid-19. Manter o máximo possível de brasileiros em casa afeta significativamente uma série de atividades econômicas, levando a efeitos como recessão, desemprego e quebra de empresas. O presidente Jair Bolsonaro pediu e recebeu do Congresso Nacional o reconhecimento do estado de calamidade pública, que isenta o governo do cumprimento da meta fiscal, permitindo a expansão dos gastos.
Até poucos dias atrás, a equipe econômica trabalhava com medidas que evitavam uma escalada na despesa estatal – os gastos adicionais, prometera Paulo Guedes, seriam empregados apenas no campo da saúde, para bancar o combate direto ao coronavírus. No entanto, à medida que as restrições ganham corpo, com estados e municípios obrigando o fechamento de vários tipos de estabelecimentos, cresce a percepção de que o socorro estatal precisará cobrir outras áreas. A Organização Internacional do Trabalho prevê um aumento no desemprego em todo o mundo – no cenário mais benigno, seriam 5,3 milhões de novos desempregados; no pior deles, 24,7 milhões de pessoas perderiam o emprego, mais que durante a crise financeira de 2008-09, quando 22 milhões ficaram desempregados.
No lugar do corte total de jornada e salário, o Planalto deve propor uma redução de até 50% em ambos, uma opção mais realista e que preserva ao menos parte do poder de renda do empregado
Salvar negócios e preservar empregos – ou, pelo menos, a renda das pessoas – mantendo um mínimo de responsabilidade para evitar uma explosão de endividamento ou a desvalorização brutal da moeda é uma equação complicadíssima, ainda mais em um país que já teria, em condições normais, um déficit primário superior a R$ 100 bilhões em 2020. Na quarta-feira, o Banco Central fez sua parte, reduzindo mais uma vez a Selic, que agora é de 3,75% ao ano, e o governo colocou os bancos estatais na linha de frente de redução de juros e ampliação de prazos de pagamento de financiamentos. No mesmo dia, o governo divulgava medidas que incluíam a suspensão de uma série de pagamentos por parte das empresas, e já anunciava a ajuda a um setor específico, o das empresas aéreas.
Faltavam medidas mais concretas a respeito da preservação do emprego, com alternativas para evitar demissões em massa, e da alteração nas relações de trabalho causadas pelo isolamento social. Bolsonaro e Paulo Guedes tentaram resolver a questão com a Medida Provisória 927, publicada no domingo. Seu trecho mais controverso era o artigo 18, que permitia a suspensão do contrato de trabalho por até quatro meses, sem recebimento de salário, desde que o empregador fornecesse ao empregado a possibilidade de aperfeiçoamento com cursos on-line; também haveria a possibilidade de uma compensação financeira, sem configurar salário (dispensando o empregador de pagar encargos sobre esse valor), paga pela empresa enquanto durasse a suspensão do contrato. Nada disso poderia ocorrer de forma unilateral, dependendo de um acordo entre a empresa e o funcionário, ou grupo de funcionários.
O mecanismo não é novo, estando na CLT desde 2001. As diferenças, no caso da MP 927, eram a duração da suspensão do contrato, a possibilidade de o acordo ocorrer sem intermediação dos sindicatos e a ausência de sanções para a empresa que demitisse o funcionário durante ou logo após o período de suspensão. A manhã de segunda-feira foi marcada por uma enorme quantidade de críticas à possibilidade real de que a MP levasse milhões de brasileiros a ficar sem renda por quatro meses – a realidade de pequenos negócios torna impossível garantir que todos eles teriam caixa para bancar uma compensação aos funcionários que ficariam sem salário. Para complicar sua situação, Bolsonaro afirmou, no Twitter, que o governo socorreria financeiramente os empregados cujos contratos fossem suspensos, algo que não constava no texto da MP.
Por fim, no começo da tarde da segunda-feira, Bolsonaro afirmou que revogaria todo o artigo 18 da medida provisória e Paulo Guedes atribuiu o trecho a um “erro de redação” – um erro que poderia ter tido consequências sérias para muitos brasileiros. Agora, no lugar do corte total de jornada e salário, o Planalto deve propor uma redução de até 50% em ambos, também mediante acordo direto entre empresa e funcionário, sem exigir o aval dos sindicatos, com uma complementação de renda, usando recursos públicos, no caso de trabalhadores que recebem até dois salários mínimos. Esta parece ser uma opção mais realista, que preserva ao menos parte do poder de renda do empregado como alternativa à demissão.
Os brasileiros mais pobres, os trabalhadores autônomos, os subempregados e os assalariados que estão nos ramos mais afetados pela redução drástica da atividade econômica anseiam por uma garantia de que terão o mínimo necessário para sustentar a si mesmos e suas famílias – sem isso, eles serão até mesmo impelidos a, pelo mero instinto de sobrevivência, ignorar as precauções sanitárias de combate ao coronavírus para conseguir alguma renda. Se a carestia for uma certeza e a contaminação, uma probabilidade, essas pessoas optarão pelo risco. Ao mesmo tempo, não pode haver preservação do emprego sem a preservação das empresas, e o governo está buscando meios de facilitar crédito e reduzir as despesas, inclusive com pessoal, neste momento em que as receitas devem cair a praticamente zero em muitos casos.
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