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Editorial

A economia brasileira e as crises externas

(Foto: Bigstock)

Os governantes latino-americanos praticamente sem exceção se aproveitaram e se aproveitam de um traço cultural típico das nações desta região: a crença enraizada na mente do povo e dos dirigentes de que o atraso econômico e social dos países deste continente é sempre culpa de inimigos externos. Mesmo compreendendo que seria demais exigir da natureza humana a busca das causas do atraso em seus próprios erros (sobretudo em se tratando de políticos), jogar a culpa no resto do mundo pelo fato de países, muitos deles ricos em recursos naturais, seguirem sendo pobres e subdesenvolvidos é atitude infantil e um escapismo político esperto usado pelos governantes para seguirem sendo eleitos e, portanto, detendo o poder.

Aqui no Brasil, só para ficar nos últimos 50 anos, todos os governantes que enfrentaram fraco desempenho na economia e instabilidade política, se esmerarem em culpar crises internacionais ou o “imperialismo” norte-americano. Alguns episódios dessa realidade podem ser mencionados como sintomas do cacoete de sempre culpar os outros. A crise mundial do petróleo nos anos 1973-1974 foi considerada a grande causa da freada no crescimento econômico nacional e da inflação que ali começava a voltar, após ter sido dominada no período anterior. Entretanto, naquela época, a Petrobras era uma vaca sagrada, da qual quem falasse mal era tachado imediatamente de traidor da pátria, mesmo que a empresa, após 20 anos desde sua criação, não tivesse conseguido produzir mais que um quarto do consumo nacional de petróleo e derivados.

A crise do petróleo ocorreu, isso é fato, mas a empresa estatal monopolista que foi criada justamente para dar autonomia em relação ao petróleo apresentava desempenho sofrível diante do problema. Quando o país começava a se refazer, veio outra crise internacional do petróleo em 1979, os preços do barril dispararam novamente, o Brasil continuava dependente de importações, a inflação retornou e os eventos externos, apesar de contribuírem para nova crise e baixo crescimento, apenas revelaram que o Brasil continuava com dificuldade para corrigir suas deficiências internas e crescer por sua própria conta.

O último presidente do regime militar entregou o poder a um presidente da República civil e começava o processo de redemocratização, porém, José Sarney, que assumiu o poder em março de 1985 em substituição a Tancredo Neves que morrera sem tomar posse de fato, tratou de enfrentar a hiperinflação instalada no país com as piores medidas: congelamento de preços, salários e câmbio, quando esse tipo de medida vem fracassando desde que o imperador Diocleciano impôs a todos os domínios romanos, no ano de 301 d.C, o congelamento de preços por meio de uma tabela com 900 mercadorias e 130 serviços, incluindo professor, advogado, pedreiro, entre outros. Quem ficava contra era punido com pena de morte.

Até então, todos os governos jogaram a culpa das crises brasileiras nas crises internacionais, de forma a se isentarem da culpa por seus maus governos e erros de gestão econômica. A cultura de culpar os outros já estava impregnada na América Latina desde a criação, em 1948, da  Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, com o objetivo de incentivar a cooperação econômica entre os seus membros. A CEPAL foi entregue a uma geração de economistas, políticos e sociólogos que tinham obsessão com a chamada “teoria da dependência”, segundo a qual o atraso dos países latino-americanos era culpa dos Estados Unidos. Ou seja, a CEPAL criou teorias, livros e documentos para dizer que a riqueza e prosperidade do Estados Unidos se deram à custa da pobreza e atraso dos países latinos, tese que foi defendida por dirigentes famosos da CEPAL, como o argentino Raul Prebisch e os brasileiros Celso Furtado e Fernando Henrique Cardoso (FHC).

Desde 1985 até 1994, o Brasil viveu de crise em crise, com elevada inflação, cinco planos econômicos fracassados e, somente em 1994, o país conseguiu extinguir a principal ferida que impedia o progresso: a hiperinflação, que veio a ser debelada com o Plano Real, criado pela equipe montada por Fernando Henrique Cardoso, então ministro da Fazenda de Itamar Franco. O sucesso do Plano Real foi, senão a principal, uma das principais causas que levaram Fernando Henrique a ganhar duas eleições presidenciais e governar o Brasil de 1995 a 2002. Durante o período de FHC, o mundo sofreu várias crises, o desempenho econômico brasileiro foi relativamente baixo e, como sempre, passou-se a culpar as crises internacionais pelos resultados ruins.

Até então, todos os governos jogaram a culpa das crises brasileiras nas crises internacionais, de forma a se isentarem da culpa por seus maus governos e erros de gestão econômica

O Brasil seguia se esmerando em culpar eventos externos e sendo incapaz de criar suas próprias defesas internas. Porém, os políticos, os governantes e seus partidos, que sempre culpavam os outros por seus fracassos, nunca deram o devido crédito ao cenário internacional quando ele era favorável, como ocorreu nos dois mandatos de Lula da Silva. Em todo o período do governo Lula, de 2003 a 2010, o Brasil foi altamente beneficiado pela elevação dos preços das commodities que o país exporta, foi um período sem crise grave, a não ser a crise financeira mundial que explodiu em 2008-2009 e somente causou alguns efeitos já no governo de Dilma Rousseff. Assim, a cultura política brasileira ficou viciada em culpar o resto do mundo quando o Brasil vai mal e nunca atribuir ao bom cenário externo quando o Brasil vai bem.

Essa questão cultural baseada no princípio de que “o sucesso é mérito nosso e o fracasso é culpa dos outros” não é apenas um vício do discurso político governamental: é também um empecilho à capacidade de criar defesas e estratégias que façam o Brasil prosperar mesmo quando alguma crise está em andamento no mundo, coisa que é necessária pela simples razão de que, em um planeta que saiu de 1 bilhão de habitantes em 1830 para 7,8 bilhões em 2022, sempre haverá crise em algum lugar do planeta e que, somada à globalização e integração entre os mercados, terá efeitos sobre o Brasil. Por isso, é recomendável que o país aprenda a conviver com crises internacionais e desenvolva mecanismos de enfrentá-las e prosperar mesmo em cenário adverso. Com as eleições se aproximando é o caso de lançar uma pergunta: o que os candidatos à presidência e seus partidos têm a dizer sobre esse assunto?

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