O Brasil começou 2023 sob o efeito de pelo menos quatro eventos relevantes: a posse de um novo presidente da República e de governadores (alguns novos, outros reeleitos); a expectativa de reformas econômicas consideradas estruturalmente necessárias (algumas já em discussão há muito tempo, caso da reforma administrativa e da reforma tributária); a necessidade de medidas exigidas pelos efeitos da pandemia e pela importância de elevar a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB); e a elevação das tensões políticas derivadas de eleições questionadas após a vitória de um ex-presidente libertado da prisão pelo STF por questões processuais e não por ter cumprido a pena confirmada em três instâncias, nem por ter sido inocentado dos crimes que levaram às condenações.
Em um quadro nacional com esses contornos, imperam em grande parcela da população e dos agentes de mercado a descrença no crescimento econômico, dúvidas sobre o avanço das reformas, o aumento da desconfiança e, portanto, um certo pessimismo quanto ao crescimento do PIB, do emprego, da renda e das melhorias sociais. O crescimento econômico, a expansão dos investimentos e a aceleração dos negócios resultam de bilhões de operações e ações diárias das pessoas, trabalhadores, empresários, governo, investidores e todas as entidades que agem na vida econômica e social, para os quais um dos motores é a existência de leis claras, regras estáveis, justiça eficaz, previsibilidade orçamentária, estabilidade da moeda, confiança nas instituições e crença de que o governo será bom. Sem isso, predominam as incertezas, as dúvidas e a descrença nas instituições, que são condimentos no aumento da percepção de risco – logo, inibidores dos negócios e das ações humanas, cujo resultado é desaceleração das atividades e baixo crescimento econômico.
Lula tem o início de mandato mais questionado e tenso dos últimos tempos. Como se não bastasse a polarização da sociedade, o clima político é ruim e, para piorar, Lula desmente seu próprio discurso de aplacar os ânimos, pacificar a nação e diminuir o divisionismo
Outro ponto, igualmente importante, é o desconhecimento sobre que rumo o Brasil vai tomar quanto à política internacional e à relação com os demais países e os blocos regionais. Para começar, pouco se sabe sobre qual será o peso exato que o Brasil dará às relações com cada parceiro, das nações ricas do Ocidente ao Mercosul e aos Brics, sigla criada em 2001 pelo economista Jim O’Neill, chefe de pesquisa em economia global do grupo financeiro Goldman Sachs, para se referir a Brasil, Rússia, Índia e China, que seriam países emergentes destinados a ter crescimento acima da média mundial.
Naquele início de século 21, disseminou-se a crença de que os Brics cresceriam inevitavelmente, sobretudo porque a situação internacional se apresentava favorável – no caso do Brasil, em razão da explosão dos preços das commodities agrícolas e minerais entre 2002 e 2010. Aquele período ofereceu ao Brasil uma oportunidade histórica para crescer a taxas robustas, eliminar a miséria, reduzir a pobreza e se aproximar dos países desenvolvidos. Vale lembrar que esse período coincidiu com os dois primeiros mandatos de Lula; embora do mesmo partido, a presidente Dilma Rousseff vivia lamentando que Lula tivera oito anos de ouro, crescimento internacional e explosão dos preços das commodities exportadas pelo Brasil, enquanto ela, desde seu primeiro mandato, herdou os efeitos de uma crise mundial – o que era verdade, mas longe de ser toda a verdade como explicação da catástrofe econômica que viria em 2015 e 2016, causada principalmente pela Nova Matriz Econômica petista.
Infelizmente, o Brasil desperdiçou aquela situação favorável quanto às reformas estruturais que poderiam ter sido feitas, mas não foram. O analista internacional e professor John Gray, da London School of Economics, um escritor de prestígio, vinha divulgando alertas como “a renovação do Estado surge como a grande tarefa política de nosso tempo, pois, se ela não for realizada, nenhum outro objetivo poderá ser atingido”. Esse era, e continua sendo, um dos principais problemas brasileiros, cujos elementos são a precariedade do setor estatal – eivado de inchaço, ineficiência, desperdício e corrupção – e a disfuncional e confusa federação, na qual municípios, estados e União federal compõem uma rede desordenada de entes públicos, com superposições de tarefas, leis, regulamentos, tributos e competências.
Aos velhos e conhecidos problemas do Brasil, some-se o fato de que a assunção do presidente Lula para seu terceiro período no cargo mostrou o início de mandato mais questionado e tenso dos últimos tempos. Como se não bastasse a polarização da sociedade, o clima político é ruim e, para piorar, Lula desmente seu próprio discurso de aplacar os ânimos, pacificar a nação e diminuir o divisionismo quando, gritando alto como é de seu estilo, chama Michel Temer de “golpista”, Jair Bolsonaro de “genocida”, empresários do agronegócio de “fascistas” e manifestantes de “terroristas”. Xingar e acusar não são propriamente meios de pacificar e agregar, pelo contrário: só acirram a polarização, a divisão e o ódio.
Ao lado disso, o discurso econômico do governo é negativo. Desprezo pelo teto de gastos, críticas à austeridade fiscal, desdém quanto ao equilíbrio das contas públicas, ataques à autonomia do Banco Central (aprovada no Congresso Nacional) e tolerância com uma inflação um pouco maior fazem parte de um quadro que representa uma obra de dúvida, incertezas, riscos e atraso. Ninguém minimamente sensato e que pensa no Brasil fica feliz com eventual má administração e o fracasso de um governo, pela simples razão de que quem perde, sofre e paga a conta é a sociedade, especialmente as camadas mais pobres da população. Infelizmente, faltam lideranças com grandeza, preparo intelectual e credibilidade nacional para contribuir com a reversão de tantos aspectos negativos da vida social e econômica do país.