Uma entidade que tanto lutou pela democracia e pela moralidade no trato com a coisa pública não pode eleger para sua presidência um candidato envolvido em escândalos
Após a escolha dos seus dirigentes regionais, a Ordem dos Advogados do Brasil entra, nesta semana, na reta final de sua eleição nacional, que ocorre no dia 31. Esta disputa transcende o âmbito da classe dos advogados e interessa a todo o país. É reconhecido o papel que a OAB representa para o Brasil, com sua longa e relevante história em defesa da democracia, a ponto de ter se torndo uma depositária da confiança das pessoas de bem deste país. E algumas tristes circunstâncias específicas da eleição deste ano exigem ainda mais atenção da sociedade.
Hoje a OAB é vista como guardiã da democracia e um bastião de resistência contra tudo o que se faz de errado no país. Nessa trajetória, ela contou com fortes apoios, como os da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), entre tantos outros. Juntas, essas entidades lutaram contra a restrição da liberdade no período pós-64, caminharam lado a lado nas campanhas das Diretas Já e nas grandes manifestações públicas que exigiram rigor contra a corrupção no governo Collor, e buscaram a aprovação da Lei da Ficha Limpa. A Ordem sempre foi crítica dos desmandos repetidos a cada escândalo.
São sempre relembradas as suas funções na defesa da advocacia e na luta incansável pela atuação do Conselho Nacional de Justiça cujo embrião foi gerado dentro da OAB. A luta pela melhoria da Justiça e pelo respeito às prerrogativas do advogado devem ser entendidas como um benefício para cada cidadão que busca o seu direito, pois, sem essa atenção, não há defesa eficiente e quem mais sofre é justamente aquele que busca a Justiça.
Tradicionalmente, a OAB tem na sua presidência homens ilustres e com desprendimento, prontos para atuar pelas maiores causas do Brasil e da advocacia. Referência sempre citada é Raimundo Faoro, paradigma a ser seguido por tantos quantos possam almejar dirigir a OAB. Mas hoje há graves preocupações sobre os destinos da entidade.
Dois são os candidatos. Alberto de Paula Machado, advogado trabalhista e ex-presidente da OAB-PR, passa incólume pelos filtros existentes. É advogado com larga folha de serviços prestados à Ordem. Não é o que acontece com o outro candidato, Marcus Vinicius Furtado Coelho, do Piauí, especialista na área eleitoral. Sobre ele se diz ter elos fortes com setores da área política, como da família Sarney. Foi advogado de Roseana Sarney, levando-a a ocupar o cargo de governadora do Maranhão, o que é compreensível diante da sua atividade profissional. Mas suas ligações causam o temor de que a OAB passe a sofrer influência político-partidária, o que seria um desastre.
Furtado Coelho tem contra si, ainda, ação por improbidade administrativa movida pelo MP do Piauí. Ele é acusado de ter firmado contrato com o município de Antônio Almeida (PI) sem prestar os serviços a que estaria obrigado, a não ser em favor da pessoa do prefeito, na área eleitoral. Trata-se de atitude incompatível com a de quem deverá se apresentar como porta-voz de uma das mais diletas instituições deste país, caso seja eleito.
O jornal O Estado de S.Paulo de sexta-feira registrou, ainda, o afastamento, pelo CNJ, de um juiz de Teresina investigado por deferir sentenças milionárias em causas que, coincidentemente, tinham Furtado Coelho como advogado de uma das partes. São notícias preocupantes e que deveriam ser muito bem apuradas e analisadas por quem decidirá os destinos da OAB. A ausência de debate entre os candidatos, justamente pela recusa de Furtado Coelho, também não colabora para elucidar os fatos. Essa teria sido uma boa ocasião para esclarecer a que vieram os candidatos, suas ideias, e para colocar uma luz sobre o que se tem noticiado.
Não se pode deixar de traçar um paralelo com o que ocorre no Senado onde Renan Calheiros insiste em ser candidato, ainda que fulminado por um passado conturbado e na Câmara dos Deputados, onde Henrique Alves enfrenta acusações de improbidade administrativa. Ao que parece, isso não tem influído no espírito dos seus respectivos colégios eleitorais, o que não é um bom sinal para a sociedade brasileira. Espera-se que, na quinta-feira, a OAB não se deixe contaminar por esse mesmo espírito de descaso com a moralidade.