As eleições legislativas na Alemanha trouxeram de volta ao Bundestag os nacionalistas de direita como uma força política relevante, algo inédito no país desde 1945, quando os alemães saíram da Segunda Guerra Mundial humilhados pelo horror totalitário do Nazismo. Neste domingo (24), porém, os eleitores da maior economia da Europa deram, pelas últimas contagens, 94 cadeiras do Parlamento Federal ao partido Alternativa para Alemanha (AfD), fazendo dele a terceira maior bancada do Legislativo alemão. Fundado em 2013, com posições críticas à União Europeia, a retórica do AfD voltou-se rapidamente contra as políticas migratórias da chanceler Angela Merkel, que trouxeram para a Alemanha 1 milhão de refugiados desde 2015.
A emergência de forças políticas nacionalistas, desconfiadas das elites políticas tradicionais, do islamismo e de tudo que lhes pareça solapar as soberanias nacionais não é algo exclusivo da Alemanha. No início deste ano, a França tomou um susto com o desempenho de Marine Le Pen no primeiro turno das eleições presidenciais. Na Hungria e na Polônia, governos nacionalistas também desafiam o consenso europeu, acendendo o alerta da burocracia de Bruxelas e dos mercados internacionais. Isso sem contar os ingleses, que, no ano passado, deram um duro golpe na ideia de integração do continente, ao votarem em referendo para que o Reino Unido saia de vez da União Europeia.
Uma ressaca atinge o mundo ocidental e chega também ao Brasil.
O fantasma do nacionalismo extremado é uma velha preocupação dos europeus e esteve nas raízes das duas grandes guerras mundiais, que mataram juntas cerca de 80 milhões de pessoas, chegando até a catástrofe humanitária que foi a desagregação da antiga Iugoslávia, nos anos 1990. Mas o fenômeno deu as caras também no Novo Mundo, em diferentes matizes, com a eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos no ano passado. Até mesmo a postura dos partidários da AfD, na Alemanha, lembra muito a de Trump, com suas blagues desrespeitosas que, no entanto, parecem fortalecer sua imagem perante parte de seu eleitorado.
O fato é que uma ressaca atinge o mundo ocidental. Essa ressaca chega também ao Brasil, que ademais tem de lidar com resultados econômicos pífios e o descalabro com a coisa pública, numa sucessão interminável de escândalos de corrupção. A malaise brasileira, cujos sintomas exteriores estão contidos desde o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, corre o risco de aflorar nas eleições de 2018, de resultados imprevisíveis. Oxalá surja um candidato moderado, que respeite o legado positivo da luta contra a corrupção e seja um fator de união e equilíbrio para que os brasileiros não caiam na tentação do radicalismo estéril.
Leia também: Uma eleição que desafia estereótipos (editorial de 06/05/2017)
Qual seria a causa dessa ressaca? Depois de décadas de um otimismo exagerado que marcou o Ocidente desde o final da Segunda Guerra, ainda se tateiam às cegas as explicações do atual estado de coisas: parcelas da classe média que ficaram de fora das benesses da globalização, um primeiro mundo que ainda não encontrou o passo do crescimento econômico desde a crise econômica de 2007, a despeito de políticas monetárias fortemente expansionistas, a vitalidade do terrorismo islâmico, que mudou de patamar em setembro de 2001, a emergência das redes sociais e seus algoritmos que alimentam vieses cognitivos e, acima de tudo, elites ocidentais que claudicam na defesa de seus próprios valores e assim não inspiram os povos que pretendem governar.
Uma vez mais, os acontecimentos recentes estão nos lembrando de que a História não tem um sentido unívoco ou revelado, nem caminha inexoravelmente em direção ao mundo que os demiurgos desejam criar à sua imagem e semelhança. Esse é um alerta de que, nos próximos anos, teremos de saber lidar, na esfera pública, com radicais de variadas cepas. Mas também é um convite para que os moderados, que ainda parecem deitados em berço esplêndido, confiantes de que o fenômeno é de somenos, assumam um protagonismo na defesa do legado da civilização ocidental, do primado da razão – de uma razão não relativista – e do diálogo, do Estado de Direito, de uma cultura democrática e tolerante e da dignidade inegociável de cada ser humano. Essas foram conquistas árduas e, como tais, precisam ser defendidas.
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