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Editorial

A era do apagão

O início de 2014 deixou escancaradas, mais uma vez, as deficiências do sistema elétrico brasileiro. Reportagem da Gazeta do Povo publicada neste domingo mostrou que, desde o início do ano até 11 de fevereiro, o Sistema Interligado Nacional registrou 20 interrupções, o maior número desde 2007, quando houve 23 apagões. A presidente Dilma Rousseff não gosta do termo, já que, para o PT, "apagão" só vale para descrever os eventos da época de Fernando Henrique Cardoso. No entanto, não é a vontade da presidente que muda a natureza das coisas, como puderam perceber 6 milhões de brasileiros das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste no último dia 4. Segundo o Operador Nacional do Sistema (ONS), tratou-se de um problema em uma linha de transmissão, causado por um raio (nessas horas, é sempre bom recordar que Dilma, em dezembro de 2012, disse a jornalistas, a respeito de apagões, que "no dia em que falarem para vocês que caiu um raio, vocês gargalhem"), mas também a geração de energia está na berlinda.

Apesar dos enormes recursos hídricos do Brasil, que deveriam garantir ao país energia abundante e barata, cada vez mais se recorre a usinas termelétricas – hoje elas respondem por 15% da geração de energia, contra 7% em agosto de 2012. Isso ocorre principalmente porque as usinas hidrelétricas mais recentes costumam ser "a fio d’água", ou seja, sem grandes reservatórios, especialmente graças a pressões de ambientalistas. Assim, em épocas de poucas chuvas e muita demanda, como no início deste ano, em que o calor incomum fez crescer o uso de aparelhos como ventiladores e ar-condicionados, os reservatórios não são mais suficientes para garantir o fornecimento de energia.

A consultoria PSR, no entanto, avalia que os problemas do sistema elétrico nacional não são provocados por fatores climáticos, como alegou na semana passada o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico, mas por "deficiências estruturais na capacidade do suprimento do sistema". A PSR estima que há 17,5% de chance de o país precisar racionar energia em algum momento de 2014 – hipótese que o governo se recusava a considerar até poucos dias atrás, mas teve de admitir, embora afirmando que o risco é "baixíssimo". Ricardo Savoia, da consultoria Thymos, disse ao jornal O Globo que o problema só não é mais grave porque a indústria não está consumindo mais energia.

O populismo tarifário de Dilma também ajudou a deteriorar a situação do setor elétrico. Ao impor unilateralmente uma redução nas tarifas de energia, anunciada em setembro de 2012, ela estrangulou a capacidade de investimento das empresas responsáveis pela geração e transmissão e indicou que o clima para negócios na área está sujeito mais à vontade do governo que ao movimento natural do mercado, o que desestimula qualquer investidor. Como a conta já não fecha (até porque a energia das termelétricas é mais cara que a das hidrelétricas), o Tesouro Nacional – leia-se o contribuinte brasileiro, independentemente de quanta energia consome – é que vem bancando a diferença.

Para completar o cenário, o governo prolongou desnecessariamente a novela da renovação das concessões das empresas do setor. Entre 2015 e 2017 vencem os contratos de usinas que representam um quinto do parque gerador brasileiro e de mais de 70 mil quilômetros de linhas de transmissão. Ainda antes de 2010 o governo poderia ter resolvido a questão, oferecendo às empresas a possibilidade de planejar investimentos no longo prazo em caso de renovação, ou num horizonte de pelo menos cinco anos, no caso de nova licitação. As regras foram definidas apenas em 2012, por medida provisória transformada em lei no início de 2013, condicionando a renovação das concessões à aceitação das determinações do governo em relação à tarifa. Nesse meio tempo, as empresas frearam seus investimentos, pois não faria sentido incrementar um patrimônio que poderia ser perdido num futuro próximo.

Na sexta-feira, o ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, jogou no colo do consumidor a responsabilidade de bancar um sistema elétrico mais confiável. No entanto, em ano eleitoral, é altamente improvável que Dilma aceite um aumento na tarifa que efetivamente permita algum investimento sólido no setor – basta ver o que o governo faz com a Petrobras, que agoniza sem poder reajustar o preço dos combustíveis. Assim, goste ou não a presidente (que, aliás, foi ministra de Minas e Energia por dois anos e meio, no primeiro mandato de Lula), é grande a possibilidade de que continuemos a falar de apagões ainda por muito tempo. A era do apagão

A culpa não é de São Pedro; o problema do setor elétrico brasileiro é falta de investimentos e excesso de populismo tarifário e intervenção estatal

O início de 2014 deixou escancaradas, mais uma vez, as deficiências do sistema elétrico brasileiro. Reportagem da Gazeta do Povo publicada neste domingo mostrou que, desde o início do ano até 11 de fevereiro, o Sistema Interligado Nacional registrou 20 interrupções, o maior número desde 2007, quando houve 23 apagões. A presidente Dilma Rousseff não gosta do termo, já que, para o PT, "apagão" só vale para descrever os eventos da época de Fernando Henrique Cardoso. No entanto, não é a vontade da presidente que muda a natureza das coisas, como puderam perceber 6 milhões de brasileiros das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste no último dia 4. Segundo o Operador Nacional do Sistema (ONS), tratou-se de um problema em uma linha de transmissão, causado por um raio (nessas horas, é sempre bom recordar que Dilma, em dezembro de 2012, disse a jornalistas, a respeito de apagões, que "no dia em que falarem para vocês que caiu um raio, vocês gargalhem"), mas também a geração de energia está na berlinda.

Apesar dos enormes recursos hídricos do Brasil, que deveriam garantir ao país energia abundante e barata, cada vez mais se recorre a usinas termelétricas – hoje elas respondem por 15% da geração de energia, contra 7% em agosto de 2012. Isso ocorre principalmente porque as usinas hidrelétricas mais recentes costumam ser "a fio d’água", ou seja, sem grandes reservatórios, especialmente graças a pressões de ambientalistas. Assim, em épocas de poucas chuvas e muita demanda, como no início deste ano, em que o calor incomum fez crescer o uso de aparelhos como ventiladores e ar-condicionados, os reservatórios não são mais suficientes para garantir o fornecimento de energia.

A consultoria PSR, no entanto, avalia que os problemas do sistema elétrico nacional não são provocados por fatores climáticos, como alegou na semana passada o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico, mas por "deficiências estruturais na capacidade do suprimento do sistema". A PSR estima que há 17,5% de chance de o país precisar racionar energia em algum momento de 2014 – hipótese que o governo se recusava a considerar até poucos dias atrás, mas teve de admitir, embora afirmando que o risco é "baixíssimo". Ricardo Savoia, da consultoria Thymos, disse ao jornal O Globo que o problema só não é mais grave porque a indústria não está consumindo mais energia.

O populismo tarifário de Dilma também ajudou a deteriorar a situação do setor elétrico. Ao impor unilateralmente uma redução nas tarifas de energia, anunciada em setembro de 2012, ela estrangulou a capacidade de investimento das empresas responsáveis pela geração e transmissão e indicou que o clima para negócios na área está sujeito mais à vontade do governo que ao movimento natural do mercado, o que desestimula qualquer investidor. Como a conta já não fecha (até porque a energia das termelétricas é mais cara que a das hidrelétricas), o Tesouro Nacional – leia-se o contribuinte brasileiro, independentemente de quanta energia consome – é que vem bancando a diferença.

Para completar o cenário, o governo prolongou desnecessariamente a novela da renovação das concessões das empresas do setor. Entre 2015 e 2017 vencem os contratos de usinas que representam um quinto do parque gerador brasileiro e de mais de 70 mil quilômetros de linhas de transmissão. Ainda antes de 2010 o governo poderia ter resolvido a questão, oferecendo às empresas a possibilidade de planejar investimentos no longo prazo em caso de renovação, ou num horizonte de pelo menos cinco anos, no caso de nova licitação. As regras foram definidas apenas em 2012, por medida provisória transformada em lei no início de 2013, condicionando a renovação das concessões à aceitação das determinações do governo em relação à tarifa. Nesse meio tempo, as empresas frearam seus investimentos, pois não faria sentido incrementar um patrimônio que poderia ser perdido num futuro próximo.

Na sexta-feira, o ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, jogou no colo do consumidor a responsabilidade de bancar um sistema elétrico mais confiável. No entanto, em ano eleitoral, é altamente improvável que Dilma aceite um aumento na tarifa que efetivamente permita algum investimento sólido no setor – basta ver o que o governo faz com a Petrobras, que agoniza sem poder reajustar o preço dos combustíveis. Assim, goste ou não a presidente (que, aliás, foi ministra de Minas e Energia por dois anos e meio, no primeiro mandato de Lula), é grande a possibilidade de que continuemos a falar de apagões ainda por muito tempo.

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