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Editorial

A erosão da autoridade moral da ONU

A Sala dos Direitos Humanos e da Aliança das Civilizações, sede do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra (Suíça). (Foto: Ludovic Courtès/Wikimedia Commons/Creative Commons Attribution-Share Alike 3.0 Unported license)

Quando o governo Lula fala em mudar algo na Organização das Nações Unidas, sempre parece resumir o Sistema ONU ao seu Conselho de Segurança. O colegiado de 15 países-membros, afirmam seus críticos, está congelado na época da Guerra Fria, não reflete a emergência de novas potências globais ou regionais, e permite que a vontade de uma única nação coloque muitas iniciativas a perder, especialmente quando os interesses dos cinco países com poder de veto são diretamente afetados. Independentemente de quão acertadas ou insensatas sejam essas críticas, o fato é que há coisas muito piores ocorrendo em Genebra, na Suíça, onde a ONU também tem uma sede.

Realizado na semana passada, o Fórum Social do Conselho de Direitos Humanos da ONU foi presidido pelo Irã – a escolha foi feita pelo presidente do conselho, o tcheco Václav Bálek, em maio deste ano. O Fórum Social é uma reunião periódica organizada pelo colegiado para discutir temas específicos. Em uma ironia que apenas agrava a situação, a reunião deste ano teve como assunto o uso da tecnologia na promoção dos direitos humanos, algo sobre o qual certamente o Irã não tinha nada de edificante a dizer, pois vigia ativamente as mídias sociais e reprime com violência quem se desvia um milímetro da ortodoxia político-religiosa dos aiatolás. Como lembrou o ativista de direitos humanos Hillel Neuer no X (antigo Twitter), pouco antes de ser escolhido para presidir o Fórum Social de 2023, o Irã havia enforcado duas pessoas por criticar o islamismo em seus perfis de mídias sociais.

O Irã não tem condições de assumir nenhum tipo de função – nem mesmo secundária, quanto mais de protagonismo – em qualquer instância internacional de promoção dos direitos humanos

Não se trata apenas de uma reunião de dois dias: a verdade é que o Irã não tem condições de assumir nenhum tipo de função – nem mesmo secundária, quanto mais de protagonismo – em qualquer instância internacional de promoção dos direitos humanos. Trata-se de um regime que persegue a população LGBT – inclusive aplicando a pena de morte por atos homossexuais – e que nega direitos básicos às mulheres, como bem demonstra a repressão violenta a jovens flagradas pela Polícia da Moralidade sem o véu islâmico. A resposta do regime xiita aos protestos que sacudiram o país no ano passado após a morte de outra jovem teve manifestantes mortos em confronto com as forças de segurança e execução de participantes dos protestos que haviam sido presos.

Mais recentemente, voltou à tona outra faceta absurda do regime iraniano: seu financiamento a movimentos terroristas como o Hamas – responsável pelo maior morticínio de judeus em um único dia desde o Holocausto em 7 de outubro – e o Hezbollah, que atua no Líbano. Não satisfeito em “terceirizar” seu ódio aos judeus e ao Estado de Israel, o regime iraniano antagoniza explicitamente os israelenses. Que a decisão de entregar a presidência do Fórum Social ao Irã não tenha sido revogada nem mesmo depois da barbárie terrorista perpetrada pelo Hamas com apoio velado e aplauso explícito dos aiatolás de Teerã é algo que diz muito sobre como o sistema da ONU está sequestrado pelas autocracias e ditaduras mundo afora. Segundo um porta-voz do conselho, o Irã foi escolhido por ser o único país indicado pelo bloco de nações da Ásia-Pacífico – um truque comum usado por muitos outros grupos continentais dentro da ONU quando se trata de preencher vagas –, e a escolha chegou a ser defendida pelo chefe da diplomacia da União Europeia, que invocou um rodízio entre continentes; no entanto, a UN Watch, grupo que monitora a atuação da ONU, apurou que esta é a quarta vez em seis anos que o bloco da Ásia-Pacífico assume o posto que o Irã acabou de ocupar.

Esse tipo de situação explica por que Israel é o campeão em condenações e resoluções em todo o sistema da ONU – não apenas no Conselho de Direitos Humanos –, enquanto ditaduras e teocracias cruéis como Afeganistão, China, Coreia do Norte, Cuba, Nicarágua ou Venezuela escapam relativamente ilesas. De fato, o governo israelense adota políticas questionáveis em alguns casos, e o errado não deixa de ser errado apenas porque o acusador tem culpa ainda maior; mas a diferença gritante de tratamento só serve para erodir a autoridade moral da ONU na promoção da paz e do autêntico respeito aos direitos humanos.

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