A escuta telefônica foi levada ao banco dos réus. Seus defensores a apontam como recurso essencial para a investigação de grupos criminosos cada vez mais ramificados e articulados. Mas as acusações que pesam contra as interceptações não são poucas. Elas encontram argumento no Estado policialesco em que o Brasil hoje se vê transformado — uma situação tal que nem a maior autoridade do Judiciário conseguiu ter sua privacidade respeitada. Ressalte-se, porém, que o ministro Gilmar Mendes foi vítima de grampo, de uma escuta feita sem autorização judicial.

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Num passado nada remoto, as liberdades individuais dos brasileiros foram agredidas pelo regime ditatorial. Corriam os anos 60, 70 e 80. Só após a redemocratização conseguimos, em 1988, com a Constituição Federal que agora vigora, recuperar os direitos confiscados sob a ditadura. Colocando esse histórico em perspectiva não causa estranheza que a escuta venha sendo condenada previamente pela maior parte dos cidadãos, tomados pelo medo de ver ruir o conjunto de direitos tão duramente conquistado no fim dos anos 80.

Felizmente, como mostrou a reportagem publicada ontem pela Gazeta do Povo, não foram poucos os esforços envidados nos últimos dias para harmonizar o Estado Democrático de Direito e o uso de escutas nos casos cabíveis. Embora por caminhos distintos, decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) , do Congresso Nacional e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contribuíram para a reafirmação do princípio do processo legal, aquele que garante que provas ilícitas não serão levadas em conta nos julgamentos.

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Como é evidente, oferecer garantia da licitude das provas não significa dizer que as interceptações telefônicas deixarão de ser aceitas pela Justiça. Para evitar que seu emprego seja banalizado, a autorização deve ser concedida pelos juízes com base nos requisitos da adequação, da proporcionalidade e da necessidade. Afinal, o uso da escuta só faz sentido quando fica patente a ausência de outros meios para a obtenção de provas e, ao mesmo tempo, considera-se que o fato em suspeição é grave a ponto de justificar a invasão da intimidade.

Surge, portanto, em boa hora o conjunto de regras aprovadas pelo CNJ para disciplinar as decisões judiciais que determinam escutas telefônicas e quebras de sigilo em sistemas informatizados. Entre outras medidas, os juízes terão de manter as corregedorias dos tribunais informadas sobre a quantidade de interceptações em andamento. A resolução também prevê controle sobre o nome do solicitante e os números dos telefones envolvidos. No Senado, a Comissão de Constituição e Justiça atuou na outra ponta, aprovando um projeto – agora em análise na Câmara — que torna mais rígida a punição para quem, clandestinamente, grampear conversas.

Em conjunto, esse pacote de medidas pode colocar a escuta dentro de sua real dimensão. Mas é necessário que sejam deixados de lado critérios que fazem pouco sentido, como a adoção de parâmetros temporais para o seu emprego. Afinal, há casos em que 30 dias serão mais que suficientes e outros em que período bem maior se mostra justificável, a depender das peculiaridades envolvidas. É importante que o juiz possa estender o prazo da interceptação quando considerar que continuam sendo atendidos os requisitos de adequação, proporcionalidade e necessidade. E que continue mantendo a corregedoria dos tribunais informada, como preconiza o CNJ.

Equilíbrio e bom senso farão com que a Justiça encontre a dose exata para que o remédio não vire veneno. Afastados os riscos do descontrole e da banalização, pode-se deixar que a escuta telefônica autorizada judicialmente saia absolvida do banco dos réus.