O educador José Pacheco idealizador da Escola da Ponte, em Portugal resume o ensino a um princípio simples, quase tatibitate: educar é fazer a pergunta certa. Vale para o aluno. Vale para o professor. Vale para todo mundo. A tomar pelo que diz o homem que se tornou sinônimo de boa pedagogia, a Secretaria Municipal de Educação de Curitiba acaba de fazer a mais certeira das perguntas. Eis a questão: "O que faz de uma escola em área de pobreza, com mais da metade dos alunos assistidos pelo Bolsa Família, ter um bom desempenho?"
Parece elementar, mas não é. Há duas constantes no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), instrumento que mede o desempenho. Onde há mais alunos cujas famílias estão ligadas ao Bolsa Família, o Ideb é menor; onde há menos alunos em pobreza extrema, a nota é maior. Não se trata da descoberta da roda. Sabe-se não é de hoje da amarração entre escolaridade dos pais, rendimentos familiares e desempenho escolar. O surpreendente é o conformismo com que essa equação é aceita, como se fosse uma verdade incontestável e incontornável.
A nota é relativa, uma bússola imperfeita, da qual se deve desconfiar. Uma avaliação mediana ou abaixo da média, a depender das condições em que vivem os pais e os alunos, equivale a uma nota alta. E uma nota alta em situações mais que favoráveis pode ser um indicativo de que a escola não faz nenhuma diferença. Detalhe: essas escolas de exceção, cujo casuísmo corre por fora das duas retas mais comuns, não só existem como constituem o melhor da lavoura. É o que a secretaria se dispõe a observar. A primeira parte da tarefa já está concluída. Os pesquisadores cruzaram os dados do Bolsa Família em Curitiba com as notas do Ideb e chegaram a uma meia dúzia de escolas onde a pobreza não é sinônimo de mau desempenho. Vai estudar cada uma delas, de modo a extrair dali matéria-prima para sua ação.
Em geral, instituições em que entre 40% e 70% dos alunos vêm de famílias amparadas pelo governo patinam nos limites da nota 5. As escolas que desafiam essa curva, supõe-se, são as que conseguem ter mais estabilidade no corpo de professores, vínculos com a comunidade, proximidade com os pais, gestão agregadora. Ou ainda algo mais, justo o que se quer descobrir. A secretaria não quer alarde, temendo repetir o mal que quer combater o da competitividade entre as instituições de ensino. Mas não faz mistério sobre uma situação bem particular: a dos dois colégios municipais que atuam na zona da Vila Acrópole, um encrave paupérrimo no bairro Cajuru. A Ayrton Senna e a Maria de Lourdes Pegoraro merecem ser convertidas num objeto de estudo antropológico, de modo a entender o que leva professores, pais e alunos a superar situações adversas, equiparando-se a colégios em situação bem mais confortável.
O desafio promete e, com sorte, deveria se tornar uma prática dos órgãos educacionais, de modo a inibir a lógica dos rankings, incompatíveis com o espírito que rege a educação. É conhecido o êxito da educadora Elisa Dalla Bona, que anos atrás pesquisou o bom desempenho da Escola Municipal São Luiz, na Água Verde. Não usou de positivismos, mas de uma observação do cotidiano escolar. Olhou a geografia, o relacionamento entre os professores, o contraturno. Como é de praxe na mais saudável das antropologias, o resultado foge de respostas autoritárias e mecanicistas. O que rege uma escola não se mede com régua e compasso. Escapa às porcentagens e tabelas, ainda que todos esses elementos possam se somar. E já são horas de respeitar essa delicada mecânica escolar, entendendo que soma de elementos alteram o produto.
As duas escolas em questão estão longe da São Luiz, em quase tudo. Inclusive na nota no Ideb. Mas estão mais perto da maioria das mais de 180 escolas da cidade do que a instituição mais modelar que temos. Os dois centros educacionais da Vila Acrópole podem ser um espelho positivo, pois indicam uma possibilidade de onde podemos chegar. Tanto o Ayrton Senna quanto o Maria de Lourdes Pegoraro apontam pistas. O Pegoraro, por exemplo, é um espaço palpável. Os professores da escola sabem o tamanho exato de sua freguesia e atuam sobre ela, construindo uma escola fora dos muros, que bate na porta dos pais e interage com eles. É uma escola cidadã. A Ayrton enfrenta problemas maiores. A favelização no seu entorno é crescente. É, portanto, menos palpável, logo, mais líquida. Mas é surpreendente como a direção vence essa dificuldade, atraindo os pais boa parte deles carrinheiros a participar da vida da escola. A gestão se sobrepõe à geografia inclemente. É outra equação, a ser observada, não para servir de molde, mas a incentivar cada escola a identificar seu DNA. Como se faz? Segundo Pacheco, perguntando-se.