Extinguir os 14º e 15º salários dos parlamentares é louvável, mas a medida não faz mais que corrigir distorções injustas, das quais o país ainda está cheio

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A promessa é do seu novo presidente, deputado Henrique Alves: a Câmara Federal deve votar ainda nesta semana (e muito provavelmente hoje) o projeto que extingue o pagamento de dois salários extras aos congressistas – os incompreensíveis 14.º e 15.º que, no fim e no começo de cada ano legislativo, enriquecem suas contas bancárias em cerca de R$ 55 mil. Feitas as contas, considerando que são 594 os parlamentares, descobre-se que R$ 33 milhões do dinheiro público se esvaem por ano na concessão de um privilégio que não é dado a trabalhadores comuns.

A tentativa de extinção destes salários esdrúxulos é fruto de um projeto da senadora paranaense Gleisi Hoffmann (atual ministra-chefe da Casa Civil da Presidência da República), aprovado por unanimidade no Senado em maio do ano passado e em seguida encaminhado à Câmara para votação final. Curiosamente, é bom que se registre, embora os 81 senadores tenham sido unanimemente favoráveis à extinção, sua sinceridade foi submetida pela primeira vez à "prova dos nove" no fim do ano passado: apenas 15 deles abriram mão de receber os extras!

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E assim, graças à demora na tramitação e graças ao direito adquirido pela maioria dos senadores, o fim de 2012 e o início de 2013 mantiveram a sangria, comprovando a máxima de que nada é mais fácil neste país que esbanjar o dinheiro público. Poder-se-ia recorrer a surradas comparações para o mal que desperdícios do gênero fazem ao povo: com os R$ 33 milhões pagos a título de nada aos parlamentares, quantas moradias populares poderiam ser construídas? Quantas creches poderiam ser criadas? Quantas vidas seriam salvas se o dinheiro tivesse sido aplicado nos nossos falidos hospitais?

Mas, além de não serem sequer necessárias tais comparações, seriam também apenas uma gota no mar de desperdícios que inunda a administração pública em todas suas esferas. Não há limites na sanha, a ponto de se tornarem inúteis as leis que tentam contê-la: propõe-se, por exemplo, um teto salarial para o funcionalismo público, mas que, ao contrário da boa intenção, acaba se tornando, na prática, um piso. É o caso do recente exemplo dado pela Câmara Municipal de Curitiba, que autorizou proventos superiores a R$ 28 mil para servidores aposentados – salário maior até que o de um ministro da ativa do Supremo Tribunal Federal –, que só foram suspensos após denúncia desta Gazeta do Povo.

Contem-se também outros "truques" para engordar artificialmente os subsídios de algumas castas de servidores, frequentemente privilegiadas com auxílios-livros, auxílios-moradias, até auxílios-frutas frescas, férias anuais de dois meses etc. – salários indiretos que acabam por se incorporar indefinidamente aos padrões e, consequentemente, por submeter as finanças públicas a tantos maus-tratos também indefinidamente, em detrimento do bem coletivo. E, quando prevalece o bom senso, como quando o presidente da Assembleia Legislativa barrou a criação de uma aposentadoria complementar para os deputados estaduais bancada com dinheiro público, os interessados não se acanham: recorrem à Justiça, como fizeram dois deles, na tentativa de obter o benefício, felizmente negado pelo Tribunal de Justiça do Paraná.

Nem se fala aqui da corrupção deslavada, do superfaturamento nos serviços e obras públicas, nas obras inúteis ou desnecessárias, na burocracia infindável, tudo isso fonte inesgotável de recursos preciosos, fruto dos impostos pagos pela população empreendedora e trabalhadora, que se jogam sem piedade para o ralo. O preço desta prática se reflete nos baixos índices de investimento produtivo, nos "pibinhos", na pobreza de largas parcelas do povo, na baixa qualidade dos serviços de saúde e de educação, na deficiente segurança pública...

No momento em que a Câmara Federal sinaliza a possibilidade de votar a extinção dos 14.º e 15.º salários, resta-nos apelar para a consciência dos deputados quanto às suas responsabilidades cívicas, a seus compromissos com o bem coletivo e com o desenvolvimento econômico e socialmente justo. Há esperança?

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