O magnata das comunicações Michael Bloomberg figura entre os dez homens mais ricos dos Estados Unidos. É um Tio Patinhas do nosso tempo. Pelo que tudo indica, no entanto, não será lembrado por sua montanha de dólares, mas pela reviravolta que provocou nas escolas de Nova York, cidade da qual é prefeito pela terceira vez consecutiva. A educação é sua moedinha número um. E há quem olhe enviesado para essa relação perigosa entre capital e sala de aula.

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Motivos para desconfiar não faltam. As mudanças implantadas pelo milionário na rede pública de ensino nova-iorquina são tão radicais que passaram a ser citadas debaixo da expressão "modelo Bloomberg". Apesar da deferência digna de um catedrático, o tal modelo não se nutre de uma pedagogia, como a de Rousseau, Montessori ou Piaget – educadores que, provavelmente, não figuram entre as influências do velho Michael, de 68 anos.

Postas na mesa, as teses de Bloomberg estão mais perto do liberalismo econômico de Adam Smith e das cartilhas corporativas impressas em papel couché do que das teorias que fascinam professores do mundo todo. Trata-se de uma política de resultados, criadas para uma massa de 1,1 milhão de estudantes, de 1,4 mil escolas. Daí a suspeita de que possa durar tanto quanto os meses de uma estação. Ou que será derrotada pelos sabotadores do almoxarifado.

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Os resultados, por ora, impressionam. A cidade mais importante dos Estados Unidos tinha índices educacionais e problemas disciplinares que a aproximavam de países como, digamos, o Brasil. Apenas 50% dos alunos que ingressavam no ensino médio concluíam a etapa. Os demais se rendiam às gangues e aos guetos em vez de ir à universidade. A desordem social redundava em fracasso escolar. Em suma, um retumbante fracasso na terra dos super-heróis.

Mas eis que em menos de uma década esse número saltou para 68%. Michael e sua equipe não se fazem de rogados e propagam sua receita pelo planeta. A dizer: os diretores de escolas – qual Roberto Justus – ganharam autonomia para demitir professores desmotivados, pouco abertos à crítica e refratários aos bons métodos de ensino. É o ponto mais polêmico do "modelo": numa cajadada só, mexeu com os brios dos sindicatos, feriu as regras do serviço público e ultrajou o coleguismo profissional.

As outras medidas vieram a reboque. A verba para as escolas, que se perdia nos labirintos da burocracia, passou à tutela dos gestores, reduzindo o tempo gasto com o beija-mão e o passa-chapéu. Em troca pelo privilégio de administrar sem ter de carregar gorilas nas costas, os diretores ganharam mais cobrança: têm de ostentar notas melhores, reduzir a evasão, evitar a repetência. É isso ou "cortem-lhe as cabeças."

O "modelo Bloomberg" é uma canelada na cultura escolar, pois confunde competição com meritocracia. Mas à revelia dos seus senões, fez um bem danado à educação pública, retirando-a do espaço modesto a que é relegada mesmo em economias fortes como a americana. A política de ensino do município ianque vem mostrando que as piores estatísticas podem ser superadas quando o ensino é tão bem tratado quanto os banqueiros e os industriais. Eis a questão.

Não faltam entre os pensadores quem afirme que educação nada tem a ver com dinheiro. Mas no território de Bloomberg tem. Um aluno de Nova York custa anualmente US$ 12 mil, contra US$ 800 em terras tupiniquins. Professores de ciências e exatas, em falta na terra do Tio Sam também, ganham incentivo de US$ 15 mil ao ano para trabalhar.

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Caso se disponha a morar perto do emprego, ganha mais ainda. Destacando-se no ofício, então, está pertinho do céu – US$ 10 mil/ano. E se por acaso tiver pedras no seu sapato – como turmas da arruaça transformando-o num Sidney Poitier, mas sem ouvir "To sir, with Love" – uma equipe de educadores especializados em segurança/violência escolar virá a seu socorro. Os grupos de apoio extraclasse proliferam. Se ainda assim a turma não aprender nada, a hora da degola se aproxima. Escolas inteiras podem ser fechadas, convertidas em instituições menores.

Para quem já enfrentou uma sala de aula, as promessas de felicidade do "modelo Bloomberg" provocam náusea. Mas será tudo isso mesmo? É bem provável que não. Mas num aspecto a intromissão das regras corporativas na sala de aula é certeira: questiona a máxima de que a culpa é sempre do aluno, de sua família, da comunidade de onde veio, chamando a escola à parte que lhe cabe.

O prefeito de Nova York colocou o foco no sujeito que traja jaleco, dita matéria ou ocupa a sala da direção. Se ele não disser a que veio, tem a escolha de procurar outra profissão. É duro. É muitas vezes injusto. Mas é bem lembrado.