A greve de funcionários dos hospitais privados de Curitiba não chegou ao terceiro dia. Na noite de ontem, após sucessivas pausas para análise das propostas lançadas na mesa de negociação, a Justiça do Trabalho costurou um acordo entre patrões e empregados. Com a volta dos grevistas ao trabalho, as consequências dos dois dias de paralisação sobre o serviço prestado pelos hospitais pedem uma reflexão sobre como exercer um direito importante, caso da greve, quando outros direitos também estão em jogo.
A paralisação, anunciada já no fim de maio, foi iniciada na quarta-feira, apesar do pedido do Tribunal Regional do Trabalho de que as atividades não fossem interrompidas antes que o Judiciário tivesse terminado de analisar o dissídio da categoria. Na última reunião promovida pelo TRT antes da greve, o sindicato patronal havia aceitado a proposta da desembargadora Ana Carolina Zaina, com ganho real de 2% para os salários acima do piso da categoria, mas os trabalhadores recusaram a oferta eles pretendiam reajuste de 15% nos salários e nos pisos.
Diante da inevitabilidade da greve, a desembargadora Ana Carolina determinou, em despacho datado de 4 de junho, que seguissem trabalhando 100% dos funcionários dos setores críticos (como pronto-socorro, UTIs, centros cirúrgicos, bancos de sangue e hemodiálise), 70% dos trabalhadores de apoio às áreas críticas (por exemplo, radiografia, tomografia e farmácias) e 30% dos funcionários de outros setores considerados não críticos, como o administrativo e as secretarias. No entanto, o cenário visto nos dois dias de greve mostrou que a população não estava tendo acesso aos serviços de saúde a que teria direito caso o funcionamento dos hospitais ocorresse de acordo com o determinado pela Justiça.
Na Santa Casa, por exemplo, todas as cirurgias eletivas que deveriam ter ocorrido nos dias 4 e 5 foram canceladas, e 70% dos funcionários da Unidade de Terapia Intensiva teriam deixado de trabalhar. O Hospital Marcelino Champagnat chegou ao ponto de não poder realizar cirurgias de pacientes que chegavam pelo pronto-atendimento, situação ainda mais grave que o cancelamento de cirurgias eletivas. No maior hospital pediátrico do estado, o Pequeno Príncipe, faltaram 45% dos funcionários da UTI cardíaca e 75% dos trabalhadores do centro cirúrgico, de acordo com a assessoria do hospital. Até mesmo cirurgias cardíacas e neurológicas tiveram de ser canceladas.
Não se trata, em nenhum momento, de questionar o direito dos trabalhadores do setor de saúde à greve. É um direito constitucional e que pode, sim, ser exercido se a categoria considera que esse é o último recurso para obter os benefícios que a categoria pleiteia. No entanto, o uso desse direito em um setor tão sensível quanto a saúde precisa estar sujeito a critérios de razoabilidade. Foi justamente o risco a terceiros no caso, os pacientes que levou a Justiça do Trabalho a determinar patamares mínimos de comparecimento ao trabalho nas áreas mais críticas, acima dos 30% previstos em lei. "Muito embora o exercício do direito de greve seja fundamental, não é absoluto e tão pouco de exercício irrestrito, pois (...) também se impõe, sobretudo nas atividades essenciais e inadiáveis, arredar o risco de violação a outros direitos fundamentais, in caso, o direito à saúde", escreveu a desembargadora Ana Carolina, demonstrando que a Justiça reconhece haver outros fatores que devem ser levados em conta na hora de exercer o direito à greve.
E, quando cidadãos têm seu acesso à saúde negado dessa maneira, inclusive com a impossibilidade de realizar cirurgias em pacientes vindos do pronto-atendimento, é preciso avaliar se a greve ressaltamos, um direito dos trabalhadores que não questionamos estava sendo conduzida da melhor forma possível. Mesmo o cancelamento de uma cirurgia eletiva, não emergencial, causa diversos transtornos, especialmente para quem precisa vir de outras cidades para o procedimento, sem contar o risco de deterioração do estado de saúde do paciente que precisa esperar ainda mais para ser operado. É esse tipo de reflexão que se espera dos trabalhadores da saúde: que, no futuro, saibam defender sua categoria sem esquecer de que cuidam do bem mais precioso das pessoas que lhes são confiadas.
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