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| Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

Desde a edição da Constituição Federal, em 1988, uma importante garantia – o direito de greve no setor público – ainda não foi regulamentada, causando dúvidas inclusive sobre a sua possibilidade legal. O Supremo Tribunal Federal chegou a declarar, em 2007, a existência de omissão legislativa quanto ao dever constitucional de editar uma norma que regule o exercício desse direito pelos servidores e decidiu aplicar, no que coubesse, a lei vigente no setor privado. Assim, enquanto o Congresso não age – até há projetos de lei sobre o tema, mas estão todos parados –, o STF vem sendo chamado a resolver controvérsias. E, na semana passada, concluiu de forma acertada o julgamento do Recurso Extraordinário 693456, que discutia a constitucionalidade do desconto dos dias parados por grevistas do setor público.

A corte, no entanto, teve a clareza de, ao mesmo tempo em que decidiu pelo desconto dos dias parados, ressalvar que tal medida não será aplicada em casos nos quais o movimento seja deflagrado por omissão ou ato ilícito praticado pelo Estado (por exemplo, o não pagamento de salários). Também deixou aberta a possibilidade de haver o pagamento dos dias parados mediante acordo, alguma forma de compensação ou mesmo decisão judicial.

Não se pode aceitar que greves do setor público causem graves prejuízos à população

De fato, não fazia sentido o servidor público ter um regramento muito diferente daquele que regulamenta a iniciativa privada. A adesão a greves sempre implica alguma forma de risco. Mas, para o funcionário público, ao contrário do que acontecia no setor privado, esse risco era praticamente inexistente, o que contribuía para a banalização do direito de greve. Como disse o ex-presidente Lula em 2007, citado durante o julgamento por Gilmar Mendes, “o que não é possível (...) é alguém fazer 90 dias de greve e receber os dias parados, porque aí deixa de ser greve e passa a ser férias”.

Quando se discute a greve no setor público, não se pode avaliar apenas a garantia fundamental dos grevistas. Uma das características inerentes ao serviço público é justamente a sua continuidade. Portanto, apesar de os servidores terem o direito de cruzar os braços e interromper suas jornadas, ainda assim eles precisam assegurar o funcionamento mínimo das atividades do Estado. A lógica por trás disso é a de que há bens jurídicos importantes que precisam ser contrapostos ao direito fundamental de greve – como o direito à saúde, segurança e educação, entre outros – e que a sociedade não pode ser prejudicada de forma desproporcional por causa da defesa de interesses corporativos.

“Quem deve bancar a decisão política de fazer greve? Eu acho que quem quer greve não pode terceirizar o ônus. Tem de ser próprio”, afirmou Luís Roberto Barroso no julgamento. Não se pode aceitar que greves do setor público causem graves prejuízos à população, que até hoje tem sido a única a arcar com o ônus das paralisações do setor público. Isso já ocorreu no passado recente e o próprio STF ordenou a retomada de parte dos grevistas. Em julho deste ano, por exemplo, o ministro Edson Fachin concedeu liminar ao estado do Mato Grosso e impôs aos professores da rede estadual de ensino o encerramento da greve e o retorno imediato às atividades. Ele entendeu que era necessária a garantia constitucional de continuidade na prestação de serviços públicos, porque estava próximo o reinício do semestre letivo dos estudantes.

De qualquer modo, por mais que o STF esteja suprido as lacunas de forma coerente no que diz respeito a esse assunto, o ideal seria que o Congresso editasse legislação que regulasse de uma vez por todas o direito à greve do servidor público. Assim que o ajuste fiscal e as reformas urgentes e necessárias passarem pelo Legislativo, será a hora de os parlamentares deixarem de lado o medo de se indisporem com certas categorias e se debruçarem sobre temas relevantes que ainda carecem de regulamentação para funcionar de forma adequada.

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