Regimes autoritários não suportam imprensa livre, não toleram a crítica. Assim, quanto mais poderes reúnem quer seja pela via de golpes políticos ou armados quer por métodos populistas de conquista das massas mais tentados se vêem os autocratas a submeter a mídia aos seus desejos. Quando a submissão se completa, completa-se também o ciclo da debacle de todas as instituições. E aí já não se tem mais dúvidas: a ditadura está instalada.
Esta é a situação que a partir exatamente de hoje, 27 de maio, se configura na Venezuela comandada pelo coronel Hugo Chávez: a principal rede de tevê do país, a Rádio Caracas Televisión (RCTV), deixa de existir. Última barreira crítica ao chavismo, a rede encerra suas atividades em razão da não-renovação pelo governo de sua concessão de funcionamento um ato que, embora de aparência legal, reúne todos os componentes da mais vil vingança.
Ao longo dos oito anos de dominação chavista, a RCTV resistiu ao processo de demolição da liberdade de opinião que vitimou todos os demais veículos eletrônicos privados de comunicação venezuelanos. A maioria preferiu acordos de bom comportamento com o governo para sobreviver como empresas; a exceção foi a RCTV que, à submissão, preferiu continuar fiel aos postulados da liberdade de imprensa, nele incluídos o dever de amplificar a voz dos segmentos sociais que se opõem ao regime. Era o que fazia, com mais ênfase desde 2002, quando apoiou o movimento que, revoltado com seus excessos ditatoriais, tentou destituir Hugo Chávez do poder.
Antecedendo a decisão de fechar a emissora, Chávez tomou precauções bem calcadas no estilo que inspira a peculiar ideologia bolivariana que fundou e que procura difundir no continente à custa dos dólares que amealha com a riqueza petrolífera de seu país. Em sua visão, tal ideologia rotula todos os que a contrariam como vetores do veneno capitalista e instrumentos do imperialismo norte-americano. Tal pregação, embora anacrônica, encontra respaldo nas camadas mais dependentes, mais pobres e mais desinformadas da população, o que dá ao presidente condições políticas de adotar medidas coerentes com o projeto de ampliar seus poderes ditatoriais. Enquadrada nessa perspectiva bolivariana, a RCTV sucumbiu sob o estigma da acusação de que se tratava do "ópio dos venezuelanos".
Para ocupar o seu lugar, Chávez investirá no lançamento de uma outra emissora, pública, que, segundo o governo, representará as necessidades e interesses da população venezuelana. Outra vez, um ato típico do autoritarismo, que sempre se coloca como intérprete único e exclusivo do "interesse público" normalmente coincidente, na verdade, como o interesse do próprio governo.
A questão poderia ser vista como um assunto interno da distante Venezuela, sobre o qual, nestas paragens do sul do continente, não deveríamos nos preocupar. Entretanto, encontram-se no Paraná elementos que de alguma forma se assemelham. Em primeiro lugar, porque temos como governante um declarado simpatizante do pensamento bolivariano exportado por Hugo Chávez, e que busca, no reduzido território que lhe compete administrar, praticar no que é possível a exótica doutrina.
Deste modo, são aqui muito freqüentes as manifestações do governante contra a parcela da imprensa que não se mostra simpática aos seus métodos, às suas opiniões e ações administrativas. Definindo-se como "de esquerda" e na tentativa também de postar-se como defensor do que entende por "interesse público", costuma buscar a desqualificação da grande imprensa nacional e regional apontando-a como faz Chávez em relação aos veículos de comunicação da Venezuela como servil aos interesses da "direita". Mais: utiliza-se da TV Educativa, uma emissora sustentada pelos contribuintes, para difundir o próprio ideário e, bem ao estilo do personalismo dos autocratas, para fazer propaganda dos próprios feitos.
Felizmente, a distinguir-nos da realidade venezuelana, vivemos no país um cenário de plenitude democrática, que limita os arroubos e nos deixa a salvo de temores maiores.