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Editorial

A inelegibilidade de Lula

 | TSE/Divulgação
(Foto: TSE/Divulgação)

O Movimento Brasil Livre (MBL) foi ao Tribunal Superior Eleitoral para pedir que a corte impeça desde já um eventual registro de candidatura do ex-presidente Lula, sob o argumento de que ele está claramente inelegível, de acordo com a Lei da Ficha Limpa. O PT tem afirmado, desde antes da condenação na segunda instância e da prisão de Lula, que ele é o candidato do partido, e tem sido tratado como tal, inclusive por institutos de pesquisa que elaboram cenários com a participação do ex-presidente.

Que Lula não tem como ser eleito presidente da República (ou qualquer outro cargo eletivo) em outubro é inequívoco. A Lei da Ficha Limpa é claríssima ao incluir, entre o rol dos inelegíveis, “os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de oito anos após o cumprimento da pena, pelos crimes: (...) 1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público; (...) 6. de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores”. É exatamente o caso de Lula, condenado a 12 anos e um mês de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro.

No entanto, o próprio texto da Lei Complementar 64/1990, que trata das inelegibilidades e que foi alterada pela Lei da Ficha Limpa, também deixa subentendido que a inelegibilidade precisa ser formalmente declarada pela Justiça Eleitoral, quando diz, em seu artigo 2.º, que “compete à Justiça Eleitoral conhecer e decidir as arguições de inelegibilidade”. Aqui começam as divergências de interpretação, pois há a corrente segundo a qual o juiz eleitoral pode (e deve) rejeitar de imediato o registro de um ficha-suja, pois tem poder para tal, e há quem defenda que todos os registros precisam ser aceitos pelo TSE – no caso das candidaturas à Presidência –, podendo ser impugnados apenas se houver alguma contestação, o que daria início a um processo, com direito a infinitos recursos.

Lula e seus seguidores jogarão com a instabilidade até onde for possível, enganando o eleitor

O PT, claro, se alinha com a segunda hipótese. Seu plano, já anunciado há meses pelas lideranças do partido, é registrar a candidatura de Lula o mais próximo possível do prazo-limite de 15 de agosto, esperar que os adversários peçam a impugnação da candidatura e iniciar, então, a batalha jurídica. Enquanto isso, Lula seria oficialmente candidato, ainda que confinado ao prédio da Polícia Federal em Curitiba, e apesar de ser ficha-suja. Encerrado o processo no TSE – com a inevitável impugnação do registro, a não ser que o tribunal queira enterrar a Lei da Ficha Limpa –, ainda seria possível levar o caso ao Superior Tribunal de Justiça ou ao Supremo Tribunal Federal.

Mas é perfeitamente razoável que a Justiça Eleitoral se poupe todo esse trabalho – e, digamos com todas as letras, toda a perda de tempo – de discutir se um ficha-suja é inelegível; basta um ato “de ofício”, em que o juiz eleitoral rejeita o registro sem que precise haver uma contestação formal. O atual presidente do TSE, Luiz Fux, defendeu essa tese em fevereiro deste ano, embora não tire valor da opinião divergente. Em maio e junho, foi a vez de outro ministro do TSE, Admar Gonzaga, dar declarações no mesmo sentido.

A notoriedade do caso de Lula reforça essa argumentação. O sistema de arguição de inelegibilidades parte do pressuposto de que é impossível à Justiça Eleitoral ter registros atualizados de todos os fichas-sujas para poder negar-lhes os registros logo no momento da formalização da candidatura. Por isso, outros candidatos, partidos, coligações e o Ministério Público Eleitoral podem pedir aos tribunais eleitorais que declarem a inelegibilidade de um ficha-suja. Mas, no caso de qualquer pessoa cuja condição de ficha-suja é suficientemente conhecida, está mais que justificada a ação “de ofício” da autoridade eleitoral que impugne a candidatura. E hoje, no Brasil, não há quem ignore a situação de Lula. Se o TSE se limitasse a aceitar o registro e esperar que ele fosse contestado, estaria desperdiçando tempo e recursos escassos em um processo que não passaria de pura ficção e cujo resultado é mais que óbvio, permitindo ao PT iludir os brasileiros, tratando Lula como candidato legítimo quando a realidade é justamente o oposto.

Assim, temos dois fatores solidamente estabelecidos: a notoriedade do caso de Lula, com as circunstâncias que o tornam inelegível; e a possibilidade de indeferimento de registros de candidatura “de ofício”, respaldada até por jurisprudência do TSE. O MBL se apoia nisso para solicitar uma antecipação de uma eventual decisão sobre a impossibilidade legal da participação de Lula no pleito. Aqui reside a grande dúvida: se o TSE pode, efetivamente, declarar desde já que o registro da candidatura de Lula não será aceito pelos motivos que o país inteiro conhece, ou se será preciso esperar até o PT efetivamente formalizar a candidatura do ex-presidente para que possa haver o indeferimento. Uma situação que, até pelo seu ineditismo, testa os limites do Direito Eleitoral.

Independentemente do desfecho da ação, é evidente que a estratégia petista é um fator de instabilidade, e que Lula e seus seguidores jogarão com essa instabilidade até onde for possível, enganando o eleitor com uma campanha falsa, de um candidato inelegível. Esse é um risco que o TSE não pode correr: o de ver a disputa pelo principal cargo da República contaminada pela mentira. A cassação “de ofício” do registro da candidatura de Lula não é só perfeitamente defensável: é praticamente um dever da autoridade responsável por garantir a lisura do pleito. As duas primeiras instâncias da Justiça já fizeram seu trabalho na esfera criminal; que a Justiça Eleitoral não se omita quando chegar sua hora.

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