Uma “surpresa”, nas palavras do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. A inflação de março acelerou para 1,62%, batendo dois tristes recordes: esta é a maior inflação para o mês de março desde o período de transição para a implantação do real, em 1994; e também é o maior avanço mensal nos preços desde os 2,25% de janeiro de 2003. Com isso, o IPCA deste primeiro trimestre de 2022 foi de 3,20%, já encostando na meta do ano todo, que é de 3,50%; além disso, o índice acumulado dos últimos 12 meses saltou para 11,30%. E, por mais que março tenha sido um mês marcado por eventos atípicos, não há como atribuir apenas a eles a atual dinâmica inflacionária brasileira, como também lembrou o presidente do BC.
Como tem ocorrido com frequência nos últimos meses, novamente o grupo de transportes jogou o IPCA para cima com bastante força. No mês passado, a Petrobras autorizou um reajuste médio de 18,77% na gasolina e 13,65% no diesel, com aumentos menores, embora ainda significativos, para outros combustíveis – a decisão foi o estopim para a decisão do presidente Jair Bolsonaro de substituir o general Joaquim Silva e Luna no comando da estatal. O transporte coletivo subiu em várias capitais, especialmente Curitiba (22%) e Belém (11%). O grupo “alimentação e bebidas” também contribuiu para a aceleração da inflação, seja porque os custos de transporte subiram com o aumento dos combustíveis, seja por questões climáticas – que afetam, por exemplo, a soja – ou devido ao ataque russo contra a Ucrânia: os dois países respondem por cerca de 30% das exportações mundiais de trigo e 20% das de milho, e o conflito elevou o preço de ambas as commodities.
A pressão inflacionária praticamente anulou a boa notícia do mês, que foi a valorização do real
Por mais que apenas esses dois grupos (transporte e alimentação) tenham respondido por 43% da inflação de março, os dados do IBGE mostram que o aumento é generalizado – Campos Neto, em sua fala, mencionou especificamente o caso do vestuário, grupo que teve alta de 1,82%. Dos nove grandes grupos de produtos e serviços medidos pela instituição, apenas “comunicação” teve deflação de 0,05%, o que é mais uma estabilidade que uma redução real. O índice de difusão, que mede o quanto as altas de preços estão espalhadas na cesta de quase 400 itens medidos pelo IBGE, foi de 76% em março, contra 75% no mês anterior. A pressão inflacionária praticamente anulou a boa notícia do mês, que foi a valorização do real – um fenômeno que pode não durar, caso as economias desenvolvidas, especialmente a norte-americana, elevem seus juros para conter a inflação que também por lá está escapando do controle, embora em menor grau que no Brasil.
As perspectivas para os próximos meses são mais animadoras graças ao fim da bandeira tarifária de escassez hídrica, que elevou o custo da energia elétrica desde meados do ano passado – em seu lugar, passa a valer a bandeira verde, a mais barata, que não tem cobrança de sobretaxas. Assim como os combustíveis, a energia é o tipo de despesa que tem reflexos em muitos outros produtos e serviços, já que ao menos parte de seu custo acaba repassado ao consumidor final. Economistas ouvidos pela Gazeta do Povo acreditam que a mudança de bandeira deve reduzir o IPCA em 80 a 90 pontos-base, divididos entre abril e maio, já que a bandeira verde entra em vigor neste sábado. Com isso, há previsões de inflação próxima a zero em maio. Como há grandes chances de que não haja nova alteração na bandeira este ano, mesmo durante o período mais seco, ao menos um fator de pressão inflacionária estará contido.
A próxima reunião do Copom está marcada para o início de maio, antes que seja conhecido o IPCA de abril. No encontro anterior o órgão já havia antecipado mais uma elevação nos juros; como a inflação surpreendeu para cima, não há razão para supor que a promessa de subir a Selic mais um ponto não será cumprida. Juros maiores podem seguir chamando dólares, mas também atrapalham e muito a retomada do crescimento econômico, a geração de empregos e a trajetória da dívida pública.
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