O tema da inflação voltou à cena nacional quando, ainda na campanha eleitoral do ano passado, o então candidato Lula afirmou que enquanto houvesse pobres no país não faria sentido defender a austeridade fiscal e o equilíbrio das contas públicas com o objetivo de combater a inflação. A lógica do argumento do agora presidente da República é um contorcionismo verbal que até pode convencer os pobres ao dizer que o governo pode estourar os gastos públicos, fazer déficits fiscais e aumentar a dívida do governo, desde que esse dinheiro vá para os pobres de algum modo. É como insinuar que esse tipo de gasto ajuda os pobres e os atende em suas necessidades sem produzir nenhum mal que os ataque. Logo, essa ideia do presidente pretende parecer um bem si mesma.
O problema é que Lula não explicou que uma política fiscal baseada em gasto público ilimitado leva ao aumento da inflação, que corrói o poder de compra da população e empobrece a todos sem exceção, castigando mais duramente os pobres, a começar pela redução da capacidade de consumo, quer tenham recebido benefícios do governo ou não. Como os pobres, em sua maioria, não vivem apenas de auxílio do governo, pois eles trabalham e têm renda de sua atividade assalariada ou autônoma, a inflação diminui o poder de compra de sua renda total. Para grande parte, o auxílio recebido do governo não compensa o empobrecimento causado pelo aumento geral dos preços.
Por outro lado, a inflação não tem apenas o efeito de reduzir o poder de compra de todas as pessoas que fazem qualquer tipo de compra de bens e serviços para consumo ou investimento. A inflação também prejudica o funcionamento do sistema de preços, faz cair o consumo e os investimentos, reduz a atividade produtiva em geral, freia o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e gera uma catástrofe socioeconômica especialmente cruel para com os pobres, o desemprego. Vale repetir: a inflação é um mal econômico que invariavelmente causa desemprego e, portanto, traz sofrimento justamente às pessoas mais vulneráveis ao aumento dos preços, os pobres. O aumento generalizado e contínuo dos preços, como a inflação é comumente definida, é um grave problema que desemboca em uma das piores doenças sociais: o aumento da pobreza social.
Lula defende aumento de gasto público como meio de combate à pobreza, mas essa elevação, além de quase não chegar ao bolso dos mais pobres, gera inflação, que prejudica especialmente a população de baixa renda
A inflação, ao lado do desemprego, é reconhecidamente o pior dos males econômicos, pelo estrago que faz no funcionamento do sistema econômico, pelo freio que impõe ao desempenho produtivo e pela expansão do número de pobres. Aceitar a ocorrência da inflação em nome de um ideal supostamente nobre – fazer gastos públicos a favor dos pobres – é uma falácia notória e significa produzir um mal enorme e duradouro diretamente contra aqueles em nome dos quais o mal é perpetrado.
Ademais, a proposta de o governo gastar mais e fazer déficits, sem preocupação com equilíbrio fiscal e controle da dívida pública, em geral agrava o equívoco, pois os gastos adicionais feitos sob o argumento de ajudar os pobres quase nunca vão para os pobres. O aumento do gasto total em geral é maior que o gasto adicional a favor da população de baixa renda, a começar pelos estouros das despesas governamentais com a criação de ministérios, órgãos, cargos, viagens, mordomias e uma longa lista de despesas diversas. Não é preciso investigação sofisticada para constatar que, atualmente, o governo está trilhando esse caminho, posto que é notoriamente imenso o atual aumento de gastos, dos quais nenhum centavo cai no bolso de qualquer família pobre.
A inflação brasileira já esteve muito mais elevada. Os 4,6% no IPCA acumulado nos últimos 12 meses são um leve avanço em comparação com os 5,79% do ano passado, tendo em conta que 2022 foi o primeiro ano em que a pandemia começou a ser superada com a volta paulatina à normalidade. Mas a inflação é doença que requer controle constante e sem trégua; deve ser combatida com tenacidade para que o aumento de preços não retorne de forma sistemática, e para abrir condições ao crescimento da produção, da renda e do emprego. O melhor programa social é sempre a criação de empregos.
O Brasil foi vítima do mal da hiperinflação por tempo excessivamente longo, especialmente no período de 1974 a 1994, apesar de o país ter testado vários planos de combate à inflação, inclusive com radicais medidas de congelamento de preços, salários e câmbio. Foi somente a partir de julho de 1994, com a implantação do Plano Real, que a inflação foi debelada. Em junho de 1999, com a população tendo aderido à cultura de que a inflação é um mal e deve ser evitada a qualquer custo, foi baixado o Decreto 3.088, aprovando o regime de metas para a inflação como parte do tripé macroeconômico formado por superávit fiscal, câmbio flutuante e metas de inflação. Na época, como sempre, o Partido dos Trabalhadores (PT) se mostrou contrário àquela política, com sua costumeira tendência a criticar qualquer medida que viesse do governo.
Membros do PT continuaram fazendo críticas públicas ao Plano Real e ao regime de metas de inflação por um bom tempo, sob o argumento de que essa política terminaria por levar o país ao caos. No meio de tais críticas surgia sempre a tese que é melhor ter um pouco de inflação para favorecer o crescimento. Porém, notando o apoio geral da população ao Plano Real e à vida sem inflação, o ministro da Fazenda do primeiro governo Lula, Antônio Palocci, não deu ouvidos às críticas do PT e manteve o tripé macroeconômico como instrumento de controle da inflação. O futuro deu-lhe razão e a inflação seguiu controlada; durante os dois primeiros mandatos de Lula, o IPCA foi de 9,3% em 2003; 7,6% em 2004; 5,7% em 2005; em 2006, atingiu seu ponto mais baixo, fechando o ano em 3,1%. Depois, a inflação seguiu estável, com 4,5% em 2007 e e 5,9% em 2008, graças à colaboração da boa situação internacional. Foi naquele ano que estourou a bolha imobiliária, levando a uma crise financeira mundial.
Em sua campanha eleitoral de 2022, da qual saiu vitorioso, Lula parece ter voltado no tempo e abandonado tudo o que supostamente aprendeu em matéria de economia em seus dois mandatos anteriores, abraçando o discurso de combate às medidas anti-inflacionárias que caracterizou o petismo dos anos 90 do século passado. Mas qualquer governo sério tem a obrigação de contribuir com a cultura nacional de rejeição à inflação; não se pode admitir que aceitar alguma inflação é melhor que suportar as dores de combatê-la, pois foi essa cultura de não reconhecer o perigo da inflação que fez o Brasil amargar períodos longos de aumentos crônicos de preços, responsáveis pelo agravamento da pobreza e da desigualdade de renda. Um presidente da República tem a obrigação política e moral de não induzir a população a acreditar em ideias comprovadamente erradas. É o mínimo a se esperar de um político sério e responsável.