Sempre que a inflação começa a subir e parece estar fugindo ao controle, sobretudo quando ultrapassa o limite máximo de tolerância estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), o mercado acende a luz amarela e surge o receio de que as piores previsões possam se realizar. Para 2021, a meta de inflação é de 3,75%, admitindo-se que fique até 1,5 ponto porcentual acima ou abaixo da meta. Isto é, entre 2,25% e 5,25%, qualquer taxa será considerada tolerável. O Banco Central, por meio do Comitê de Política Monetária (Copom), é o encarregado de controlar a inflação e mantê-la dentro da meta e, embora essa sempre tenha sido sua principal missão, nos últimos tempos os bancos centrais foram instados a se preocupar também com o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e o nível de emprego. De certa forma, a geração de emprego se expande quando o PIB cresce, pois mais produção implica a necessidade de mais trabalhadores.
Vários bancos centrais ao redor do mundo têm anunciado sua preocupação com os três objetivos (PIB, emprego e inflação) como resposta à fama de que, ao se concentrar somente na inflação, os bancos centrais ficam insensíveis e fecham os olhos para os problemas sociais. Vale observar que, além dos três objetivos citados, o papel do Banco Central na administração da moeda circulante e na fiscalização do sistema bancário continua essencial. Esse tema ressurgiu nas últimas semanas porque a inflação oficial medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) atingiu 8,06% no acumulado dos últimos 12 meses. É um estouro grande mesmo em relação ao limite máximo de tolerância, o que é extremamente preocupante, principalmente porque ocorre em momento de recessão e queda na demanda interna, tudo em função da desordem que a pandemia impôs à vida econômica da nação.
Este é um momento tenso no campo da evolução do PIB e dos preços, apesar do bom desempenho verificado no PIB do primeiro trimestre de 2021
No passado, o Copom fazia suas reuniões e divulgava a taxa básica de juros, a Selic, sempre sob rigoroso sigilo nas semanas antecedentes à reunião, pois a taxa de juros é o principal instrumento para controlar a inflação. Entretanto, atualmente o Copom já não faz tanto segredo de sua tendência, a ponto de, no comunicado emitido após sua última reunião, em maio, ter deixado implícito (ou até mesmo explícito, dependendo da leitura) que a taxa Selic poderia subir mais 0,75 ponto porcentual na reunião que se inicia nesta terça-feira. Com isso, passaria dos atuais 3,5% para 4,25% ao ano, o que ainda a deixaria inferior à inflação acumulada nos últimos 12 meses.
Sabe-se que taxa de juros negativa (menor que a inflação) é prejudicial à economia, desestimula a poupança e o investimento em função da corrosão no poder de compra das reservas financeiras de quem adia consumo para poupar e para abastecer os bancos de depósitos, a fim de que eles possam financiar o consumidor, as empresas e o governo. Essa primeira razão, por si só, autoriza a concluir que, para uma inflação anual de 8,06%, a taxa Selic de 4,25% significa redução do patrimônio real dos poupadores, e também desestimula a compra de títulos do governo atrelados à Selic, que é pouco mais que a metade que a taxa de inflação. Enxergando a questão apenas por esse aspecto, é possível que a taxa de juros ainda tenha de subir mais, ainda que gradativamente.
Em segundo lugar, há tempo os estudiosos estão pondo em dúvida a real eficiência da taxa de juros no controle da inflação. Se a taxa de juros sobe pela razão anteriormente mencionada – evitar que a inflação seja maior que os juros nominais –, o objetivo de impedir a redução da poupança é atingido; mas, se a taxa de básica de juros sobre para reduzir o consumo e, com isso, desestimular a elevação de preços (ou seja, combater a inflação), esse objetivo pode não ser alcançado. Há várias razões para isso, e uma delas é o fato de haver preços na economia desconectados de flutuações na taxa de juros e nas variações do consumo – é o caso dos preços da energia, água e esgoto, alguns dos ditos “preços administrados”. As empresas de energia e as de água e saneamento são monopólios naturais que elevam seus preços em função de seus custos, pouco importando as variações na taxa básica de juros. Atualmente, os preços da água devem subir em função da crise hídrica, bem como os preços da energia, produzida por hidrelétricas dependentes dos volumes de chuvas e, quando os reservatórios estão baixos, também por termelétricas, mais caras e poluentes.
Nos últimos 60 anos, o Brasil tem sido cenário de um fenômeno estranho e um desafio para os estudiosos: é a combinação de recessão com inflação. A esse fenômeno deu-se o nome de “estagflação”, isto é, estagnação (queda do PIB e aumento do desemprego) combinada com inflação. O IPCA dos últimos 12 meses de 8,06% se dá num contexto em que o PIB caiu em 2020, o desemprego aumentou e, mesmo assim, os preços subiram. Em alguns setores, a elevação de preços tem a ver com a queda da produção maior que a redução do consumo, evitando o excesso de oferta em relação à demanda; também há os setores que dependem de matérias-primas importadas e, com a elevação do preço do dólar, tiveram de elevar os preços de seus produtos, mesmo em ambiente recessivo.
Em terceiro lugar, a pandemia, o fechamento de atividades empresariais e de serviços pessoais, o isolamento social e as incertezas sobre até quando esse quadro irá permanecer são causas da desorganização da economia, dificultando a captação, pelos órgãos de pesquisas e estudos, de todas as variáveis que explicam a combinação de recessão com inflação em alta. O BC será pressionado a promover elevações da taxa de juros em porcentuais maiores que os das últimas reuniões do Copom, e talvez o faça de forma paulatina, sobretudo se a inflação não der mostras de queda expressiva em prazo curto. Este é um momento tenso no campo da evolução do PIB e dos preços, apesar do bom desempenho verificado no PIB do primeiro trimestre de 2021 em comparação com o mesmo período do ano passado, quando ainda não havia efeito recessivo provocado pela pandemia.
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