O choque inflacionário que todos davam como provisório e de curta duração no início deste ano segue mostrando sua cara, trazendo de volta os ecos da maior crise econômica da história do país, a de 2015-2016, criada pela irresponsável política econômica lulopetista. O IPCA de outubro veio acima das expectativas do mercado financeiro, com 1,25%, levando o acumulado de 12 meses a 10,67%, avanço idêntico à inflação de 2015. As circunstâncias de seis anos atrás podem ser diferentes das atuais, mas isso importa pouco para quem vê seu poder de compra constantemente corroído e espera ver a inflação retrocedendo o quanto antes.
A inflação está atacando também em várias outras economias – os Estados Unidos acabam de registrar um acumulado de 12 meses de 6,2%, o maior índice para o período desde 1990 – e o mundo está presenciando um desarranjo global em cadeias produtivas, com escassez de itens como chips semicondutores, levando a um choque de oferta. No entanto, a principal explicação para a escalada da inflação brasileira está em outros fatores: no caso, a combinação da crise hídrica (e o consequente aumento das tarifas de energia elétrica) com a elevação dos preços internacionais do petróleo, combustíveis e gás, tudo agravado pela desvalorização do real diante do dólar. E, como energia, combustíveis e câmbio em alta elevam custos de importação, produção e transporte, repassados ao preço final de inúmeros outros itens, o resultado é uma inflação “espalhada”: em outubro, todos os nove grandes grupos de produtos e serviços tiveram alta nos preços.
Sem responsabilidade fiscal real – não a fictícia, em que para se evitar o desrespeito à regra muda-se a regra, não o comportamento – será muito mais difícil domar a inflação
Quanto à crise hídrica, pouco há a fazer no curtíssimo prazo além de esperar pela normalização do ritmo de chuvas, elevando o nível dos reservatórios, embora desde já seja preciso planejar meios de reforçar a matriz brasileira com o incentivo a energias limpas que não sejam tão dependentes de um regime pluviométrico cada vez mais errático. Dos combustíveis muito já se falou, em um debate que costuma gerar mais calor que luz. Por não ter feito os investimentos necessários na capacidade de refino do petróleo extraído no Brasil, o país, mesmo produzindo mais do que consome, fica à mercê dos preços estipulados pelo cartel internacional da Opep, um problema para o qual há abundância de propostas simplistas que ou são impraticáveis ou representariam o retorno ao modelo intervencionista do PT que destruiu a Petrobras.
O governo federal vem trabalhando em medidas que tentem amenizar o choque inflacionário, como uma recente redução em tarifas de importação com o objetivo de elevar a oferta de certos produtos, mas seu efeito sobre a inflação como um todo tende a ser pequeno. A grande contribuição que poderia vir de Brasília para conter a inflação seria o fortalecimento da confiança do investidor na saúde fiscal brasileira, que ajudaria a trazer o dólar para valores mais aceitáveis – em setembro, Paulo Guedes afirmou que era o “ruído político” que impedia a moeda norte-americana de recuar para patamares entre R$ 3,80 e R$ 4,20, que seria o câmbio de equilíbrio na avaliação do ministro.
Pois o “ruído” não baixou de intensidade nesses dois meses. Um fator de instabilidade – as rusgas entre poderes, especialmente entre Executivo e Judiciário – pode estar sob controle, mas em compensação as ameaças ao ajuste fiscal vêm crescendo. Mostra disso é a recente aprovação, na Câmara dos Deputados, da PEC dos Precatórios, que, além de gravar o “devo, não nego, pago quando puder” na Carta Magna, altera o cálculo do teto de gastos para permitir a elevação das despesas do governo em 2022. Sem responsabilidade fiscal real – não a fictícia, em que para se evitar o desrespeito à regra muda-se a regra, não o comportamento – será muito mais difícil domar a inflação.