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Editorial

A insaciável fome de dinheiro dos partidos

O relator da LDO de 2020, deputado Cacá Leão (PP-BA)
O relator da LDO de 2020, deputado Cacá Leão (PP-BA) (Foto: Wilson Dias/Agência Brasil)

Quando se diz que a reforma da Previdência pode “economizar” tantas centenas de bilhões de reais em um determinado período, só um ingênuo pensaria que, aprovadas as mudanças nas regras de aposentadoria, o governo teria magicamente, à sua disposição, aquela determinada quantia para fazer dela o que bem entender. Pois “economia”, no contexto atual das contas públicas brasileiras, significa apenas que, para continuar dando conta de suas obrigações, o país não precisará se afundar ainda mais no endividamento, nem gerar inflação pela impressão desordenada de moeda.

Mas, na cabeça de muitos congressistas, parece vigorar a noção de que o governo realmente terá dinheiro sobrando em breve. Essa é a explicação mais benigna que podemos imaginar para que a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2020 esteja prevendo inacreditáveis R$ 3,7 bilhões para os partidos bancarem, via fundo eleitoral, as campanhas para prefeitos e vereadores. O número é 117% maior que o R$ 1,7 bilhão destinado ao mesmo fundo no ano passado, quando houve eleições para presidente da República, governadores, Congresso Nacional e Assembleias Legislativas. A explicação mais realista para tal disparate, no entanto, é bem mais simples: a classe política segue pensando única e exclusivamente em si mesma.

Em um país com a situação fiscal do Brasil, usar ainda mais dinheiro do contribuinte para financiar campanhas pelo fundo eleitoral é um acinte

O relator da LDO na Comissão Mista de Orçamento do Congresso, deputado Cacá Leão (PP-BA), apresentou seu parecer na segunda-feira, dia 8, e foi dele a iniciativa de engordar o fundo eleitoral. O parlamentar tem evitado entrevistas, deixando o trabalho de justificar as mudanças para o presidente da comissão, senador Marcelo Castro (MDB-PI). Ele alegou que, segundo o relator, o aumento seria necessário porque as eleições municipais envolvem muito mais candidatos – o mesmo argumento foi usado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), na quarta-feira. Quanto a isso, realmente não há dúvida: em 2018, segundo o Tribunal Superior Eleitoral, 26.085 candidatos disputavam os cargos de presidente da República, vice-presidente, governador, vice-governador, senador, suplente de senador, deputado federal e deputado estadual. Em 2016, foram 469.165 candidatos a prefeito, vice e vereador.

Mas, por outro lado, não há a menor dúvida de que uma campanha municipal exige muito menos gastos, pois a campanha está geograficamente confinada aos limites do município em questão. Ninguém precisa viajar por todo o estado, ou por todo o país, à busca de votos. Em várias cidades, não há nem mesmo despesa com a produção de programas para o horário eleitoral na televisão. Além disso, é impossível ignorar que o pleito de 2018 inaugurou uma nova dinâmica eleitoral, com campanhas de baixo custo obtendo enorme sucesso, a começar pelo presidente Jair Bolsonaro, que não usou dinheiro do fundo eleitoral. O mesmo ocorreu com 37 deputados federais e três senadores de seu partido, o PSL; com toda a bancada do Partido Novo no Congresso – a legenda ainda elegeu o governador de Minas Gerais –; e com outros seis senadores e 48 deputados federais, segundo levantamento do jornal O Estado de S.Paulo feito ainda no fim de 2018. Tudo isso faz cair por terra o argumento de que o aumento no fundo eleitoral é necessário.

Os números – tanto os que servem para justificar quanto para negar o aumento no fundo eleitoral –, no entanto, não tratam da questão de fundo: o dinheiro do contribuinte deveria ser usado para bancar partidos e campanhas políticas? É correto que os impostos de um cidadão sejam usados para financiar legendas ou pessoas das quais muitas vezes ele discorda visceralmente? Nossa resposta é um enfático “não”. Partidos e candidatos deveriam ser bancados única e exclusivamente de forma voluntária, por aqueles que acreditam em suas plataformas. Vale, aqui, o mesmo raciocínio aplicado ao chamado “imposto sindical”: sindicatos são importantes para o mundo do trabalho, mas o trabalhador não pode ser forçado a financiar tais entidades; da mesma forma, partidos políticos são importantes para a democracia, mas o cidadão não pode ser forçado a financiá-los.

Mesmo que o país estivesse registrando superávits consecutivos, mesmo que estivesse sobrando dinheiro nos cofres públicos, a própria existência deste megafundo eleitoral, para não falar de sua ampliação, é um insulto. Mas, no momento em que o Brasil tem déficits primários que superam os R$ 100 bilhões, em que se trava uma enorme batalha no Congresso para que o país não caia no abismo fiscal, tirar ainda mais dinheiro de outras rubricas para financiar campanhas eleitorais é um acinte. A LDO tem de ser votada antes do recesso, que começa no dia 18; que haja parlamentares responsáveis em número suficiente para que essa manobra não prospere.

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