Ministro da Economia, Paulo Guedes, afirma que “barulho político” impede queda do dólar.| Foto: Edu Andrade/Ascom/ME
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“Esse dólar já era para estar descendo, mas o barulho político não deixa descer”, disse o ministro Paulo Guedes na última terça-feira, dia 14. Dólar em queda poderia baratear diversos itens importados, especialmente o petróleo, fazendo cair o preço dos combustíveis, o atual vilão da inflação; e poderia aumentar a oferta interna de alimentos, já que a exportação ficaria menos atraente ao produtor. Mas a moeda norte-americana insiste em permanecer acima de R$ 5, quando o câmbio considerado justo pelo ministro seria de R$ 3,80 a R$ 4,20. Não é apenas o “barulho político”, no entanto, que causa turbulências na economia nacional, mas também o risco de que o governo eleito em 2018 com um discurso de ajuste fiscal adote uma guinada populista que infle o gasto público em ano eleitoral.

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Para que os dólares entrem, com todo o efeito positivo que isso traria, é preciso que o investidor sinta uma segurança dupla: a de que o país não sofrerá solavancos institucionais, e de que o país tem uma trajetória fiscal sólida para o futuro. São duas seguranças que inexistem no momento atual, e que justificam a cautela, por exemplo, dos exportadores que mantêm fora do país US$ 40 bilhões. E não é exagero afirmar que, se o combate à inflação e ao desemprego, e o estímulo à atividade econômica são prioridades, é igualmente prioritário que Executivo, Legislativo e Judiciário se empenhem na construção da solidez institucional e fiscal.

Turbulência institucional e risco fiscal são a ameaça dupla que pode impedir o Brasil de aproveitar – ou, ao menos, de não aproveitar ao máximo – um momento favorável pós-pandemia, com demanda por commodities e liquidez nos mercados desenvolvidos

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É o caso, por exemplo, de toda a disputa recente entre Executivo e Judiciário, que no dia 7 de setembro chegou mais perto da ruptura graças às declarações do presidente Jair Bolsonaro, mas que neste momento entrou em processo de distensão com a nota divulgada pelo presidente da República dois dias depois. No entanto, o país já viu episódios passados de acirramento, pacificação e novo acirramento, e ainda há muitas incertezas: o Supremo também recuará em suas investidas contras as liberdades democráticas e em seus inquéritos abusivos? Se isso não ocorrer, como reagirá o presidente da República? O Senado assumirá seu papel de contrapeso a abusos cometidos pelos ministros do STF? Não há como condenar quem prefira aguardar para ter certeza de que se está caminhando para uma normalização das relações, em vez de uma trégua temporária até a próxima crise institucional.

E, mesmo que os três poderes estivessem em harmonia completa, restaria o risco fiscal. A disparada nas despesas para conter os efeitos econômicos da pandemia de Covid-19 era necessária – sem o auxílio emergencial, ou as compensações pagas pelo governo nos acordos para redução de jornada e salário, o estrago teria sido muito maior. Mas o movimento seguinte deveria ser destinado a colocar as contas em ordem. Em vez disso, o que se tem visto é o esforço por soluções heterodoxas para contornar o teto adotado em 2016 e bancar ainda mais gastos – a disputa mais recente envolve a possibilidade de parcelamento de precatórios que deveriam ser pagos em 2022, com reação muito negativa do mercado. E, na quinta-feira, o governo federal anunciou a elevação de alíquotas de IOF até o fim deste ano para bancar o Auxílio Brasil.

Também o ajuste fiscal de médio e longo prazo está ameaçado, caso o Congresso aprove reformas estruturais “aguadas” ou ineficazes. A reforma tributária, fatiada, não deverá atacar alguns dos principais problemas do manicômio tributário brasileiro: a excessiva tributação sobre produção e consumo, e a concentração de recursos nas mãos da União, deixando sobras para estados e municípios. As pressões corporativistas já conseguiram concessões que devem reduzir o efeito da reforma administrativa. E já quase não se fala dos “três Ds” – desindexar, desobrigar e desvincular – que desengessariam o orçamento federal. Turbulência institucional e risco fiscal são a ameaça dupla que pode impedir o Brasil de aproveitar – ou, ao menos, de não aproveitar ao máximo – um momento favorável pós-pandemia, com demanda por commodities e liquidez nos mercados desenvolvidos. E, na pior das hipóteses, não apenas o crescimento presente será prejudicado, mas também o crescimento futuro será comprometido se não foram lançadas agora as bases para o controle e a redução do gasto público. Teremos a repetição dos voos de galinha e das chances desperdiçadas que têm marcado a história recente brasileira.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]