Pelo menos desde a Segunda Guerra Mundial, os governantes brasileiros adotaram o hábito de jogar nas crises internacionais a culpa pelos percalços ou fracassos da economia brasileira. Nos períodos em que o Brasil experimentou êxitos nacionais, praticamente nenhum governante atribuiu créditos à boa situação mundial e às condições favoráveis que a economia internacional criava. Essa postura é compreensível, pois é esperar demais dos políticos – pelo menos da maioria deles – que tenham a grandeza de reconhecer seus erros internos quando a situação interna vai mal e reconhecer os impactos positivos vindos do exterior quando o mundo vai bem.
Tomando o passado mais recente de duas ou três décadas, há de se lembrar, durante a gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso, os efeitos negativos dos graves problemas internacionais, que ajudaram a prejudicar o desempenho econômico do Brasil; também os efeitos altamente positivos de crescimento internacional durante os dois mandatos do presidente Lula; e os efeitos da crise internacional durante o governo Dilma Rousseff. No caso do governo Lula, o presidente nunca deu crédito à prosperidade internacional, vigente durante seus oito anos de mandato, como fator que ajudou momentos de bom desempenho econômico brasileiro, como Dilma nunca reconheceu seus erros ao culpar, com insistência, a crise internacional pela grave recessão em seu governo em 2015 e 2016.
O Brasil poderá se sair melhor que vários países considerados desenvolvidos no curto prazo – mas apenas se o governo eleito não cair na tentação de medidas populistas e imprudentes
O fato é que se tornou prática comum os governantes atribuírem os êxitos a si mesmos e culparem o resto do mundo quando as coisas vão mal internamente. Na realidade, quando o mundo vai bem, o Brasil se beneficia; quando o mundo vai mal, o Brasil se prejudica e sofre os efeitos negativos das crises internacionais. Porém, ser vulnerável a problemas e êxitos externos não justifica o fracasso nem o sucesso do desempenho interno. Assim, uma das premissas para a estruturação de planos e ações destinadas a fazer o Brasil ter crescimento econômico e desenvolvimento social é que as crises e as instabilidades políticas e econômicas globais se tornaram comuns e rotineiras, e elas se repetirão com regularidade daqui para a frente. Isto é, a instabilidade mundial e os problemas econômicos globais serão a norma, de forma que uma das metas nacionais do governo e sociedade deve ser aumentar o quociente de resiliência perante os cenários imperfeitos ocorridos no mundo ou em parte dele.
Com 2022 quase no fim, ficaram claras as diferenças entre os países quanto à superação dos efeitos negativos derivados da pandemia e da paralisação de grande parte das atividades produtivas. Não há um método único para medir essa superação nacional, mas há quatro indicadores que devem estar nas fórmulas utilizadas para tal mensuração: a reorganização do sistema produtivo após o fim do isolamento social; a retomada do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB); a inflação; e o desemprego. O balanço desses quatro indicadores revela que os Estados Unidos estão em fraca travessia, inclusive amargando altas taxas de inflação, coisa que não é comum naquele país; a Europa está com sérias dificuldades para avançar e, como agravante, sofre as dificuldades de abastecimento de alguns itens altamente importantes, como o gás natural que era fornecido pela Rússia; a América Latina adiciona aos problemas já citados a velha e conhecida instabilidade política; e a China anda claudicante com crises antigas, como o desmoronamento do sistema imobiliário, fragilidades no sistema bancário e cansaço com o vaivém dos lockdowns, a ponto de protestos de rua começarem a desafiar a mão de ferro da ditadura comunista.
Nesse panorama, ainda que amargando duros efeitos da pandemia, em termos comparativos o Brasil está tendo razoável crescimento do PIB, a inflação está relativamente controlada, o desemprego começou a diminuir e, a despeito da grave crise hídrica que durou até pouco tempo atrás, o agronegócio vem tendo desempenho expressivo. Nesse sentido, a economia brasileira está em boa situação relativa e as desigualdades sociais foram amenizadas com a reformulação do Auxílio Brasil. Em tal contexto, o Brasil poderá se sair melhor que vários países considerados desenvolvidos e começar a recuperar sua economia com vistas a concluir esta terceira década com desempenho bem melhor que as décadas anteriores – mas apenas se o governo eleito não cair na tentação de medidas populistas e imprudentes. O problema é que Lula vem sinalizando exatamente na direção contrária, apostando na explosão do gasto público para cumprir promessas de campanha como a manutenção do Bolsa Família de R$ 600 e o aumento real do salário mínimo. Quando os resultados negativos do abandono completo da responsabilidade fiscal vierem, não será surpresa alguma se a culpa for novamente colocada em um cenário global com problemas.