Os procuradores da República que compõem as forças-tarefas da operação Lava Jato em Curitiba, em São Paulo e no Rio de Janeiro se reuniram na capital fluminense, nesta segunda-feira (27), para definir estratégias de atuação para o ano que vem e fazer um balanço dos desafios ao combate à corrupção no Brasil. O diagnóstico que ofereceram é substancialmente correto e aponta para questões importantes nas eleições do ano que vem. Causam certo desconforto, no entanto, o tom e a pertinência da nota divulgada, que podem alimentar aqueles que são críticos da Lava Jato.
Não se pode esquecer que, no trato entre instituições, todas necessárias para o bom funcionamento do Estado, deve haver urbanidade e decoro entre seus membros. São valores importantes que os homens púbicos devem cultivar. Ademais, no documento que escreveram, os procuradores fazem críticas severas a outras instituições da República sem a humildade de reconhecer que pode haver falhas na atuação de membros do próprio Ministério Público. Em particular, ainda que discordem das críticas a ela, não se menciona a conduta do ex-procurador-geral Rodrigo Janot e de sua equipe, que agiram de forma no mínimo atrapalhada na condução do caso J&F e das denúncias contra o presidente Michel Temer. Todas as instituições estão sujeitas a equívocos e desvios, e a democracia se fortalece quando não são condenadas ou absolvidas de roldão.
Todas as instituições estão sujeitas a equívocos e desvios
Isto posto, há méritos importantes destacados pelos membros da força-tarefa. Até aqui, segundo os números apresentados, em 64 fases da operação, 416 pessoas foram acusadas por crimes como corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa; 2.130 anos de condenações já foram distribuídos a 144 réus; 340 pedidos de cooperação internacional foram enviados ou recebidos em esforços conjuntos de 40 países; e mais de 11 bilhões de reais estão sendo recuperados para o país. Esses números revelam bem mais que suas cifras e compõem um quadro mais amplo de aprendizagem institucional, de articulação entre diferentes atores estatais e sociedade civil e de reunião de informações sobre os esquemas de crimes de colarinho branco e de corrupção sistêmica que, se bem aproveitado, pode gerar muitas externalidades positivas para a agenda republicana no país.
De fato, há desafios a ser enfrentados no próximo ano. Alguns setores, tão logo se viram livres do petismo, viraram a casaca e começaram a atacar o combate à corrupção, como se os esforços pela aplicação da lei fossem obra de inquisidores destemperados. Os setores fisiológicos tentam se proteger de investigações a todo custo e, curiosamente, se agarraram à mesma retórica carcomida de que a Lava Jato estaria atrasando e desestabilizando o país. O Congresso, embora em compasso de espera, ainda não enterrou definitivamente os pontos problemáticos de diversos projetos de lei sobre abuso de autoridade e dormita sobre projetos que pretendem restringir as hipóteses prisão preventiva de forma a excluir sua aplicação a crimes de corrupção. O Supremo Tribunal Federal (STF) claudica no julgamento de ações criminais, ainda não deu uma resposta satisfatória à falência do foro privilegiado e corre o risco de rever, por razões escusas, a possibilidade de prisão em segunda instância.
Há até quem interprete a falta de mobilização do povo brasileiro diante desse cenário como resignação e, portanto, como um mau agouro para 2018. Mas os sinais das ruas também podem ser lidos como maturidade política. Inegavelmente cansado de uma mobilização permanente e custosa, o povo brasileiro soube colocar na balança uma série de fatores. A saída de Dilma Rousseff da presidência da República – uma pauta que congregava, com razão, as mais variadas forças políticas e sociais –, os indícios de recuperação econômica e as ações do Congresso, embora lentas, no sentido de aprovar as reformas necessárias, como a trabalhista, a terceirização e a PEC do teto, a atuação atabalhoada de Janot e mesmo a proximidade das eleições em 2018 convidaram o país a um momento de reflexão e preparação para o pleito que virá.
A preservação do legado da Lava Jato e daquilo que nela aponta para uma agenda de modernização do país dependerá mesmo do resultado dessa reflexão, que se apresentará nas urnas em 2018. O povo brasileiro deve aproveitar a imprensa livre, os diversos mecanismos de fiscalização e acompanhamento da atuação de parlamentares e o debate público franco e aberto para escolher candidatos compromissados com agenda de modernização do Estado, contra corporativismos e os privilégios de toda sorte. Eleitos os novos parlamentares e mandatários da nação, o povo brasileiro precisará cobrar o fortalecimento das instituições de investigação e controle, a aprovação leis que reduzam os incentivos à corrupção e apostar na diminuição da burocracia e dos entraves ao crescimento econômico. Só assim saberemos aproveitar o que há de positivo no legado da Lava Jato.