A decisão do juiz Sergio Moro de aceitar o convite do presidente eleito, Jair Bolsonaro, para assumir o Ministério da Justiça gerou uma série de variedade de reações. Houve o entusiasmo com o acréscimo de um nome respeitadíssimo ao elenco de ministros de Bolsonaro, mas também houve o reforço de uma velha narrativa petista. Moro, até agora, era o responsável pelos processos da Operação Lava Jato na primeira instância. Ao aceitar ser ministro, alega o petismo, o juiz apenas teria deixado claro que sempre teve pretensões políticas e agiu movido por elas desde o início da operação, perseguindo especialmente o PT e o ex-presidente e atual presidiário Lula. Desta narrativa tratamos extensivamente logo depois do anúncio de que Moro seria ministro, recapitulando sua trajetória à frente da Lava Jato e mostrando que o vitimismo é completamente infundado.
Entre aqueles que não compartilham dessa visão distorcida, no entanto, também há uma preocupação bastante legítima: o futuro da Lava Jato. O substituto de Moro aplicará os mesmos critérios, será capaz de compreender as minúcias de um elaboradíssimo esquema de corrupção, cujo mecanismo o futuro ministro da Justiça deve ter na ponta da língua? O próximo ano deve reservar mais trabalho a quem assumir a 13.º Vara Federal de Curitiba, pois vários políticos investigados pela Lava Jato e citados em delações premiadas não conseguiram a reeleição. Além disso, a delação do ex-ministro Antonio Palocci deve abrir novas frentes de investigação.
O Brasil percebeu que há outros magistrados com quem pode contar no combate à corrupção
Preocupação semelhante emergiu em setembro de 2015, quando o então relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, o falecido ministro Teori Zavascki, determinou o fatiamento do caso, tirando parte dos processos das mãos de Moro e encaminhando-os a outros tribunais de primeira instância em outros estados. Desde então, desdobramentos da operação têm resultado em processos e condenações que não passaram pela pena de Sergio Moro. Ainda que a preocupação inicial tivesse sua justificativa, o Brasil percebeu que há outros magistrados com quem pode contar no combate à corrupção, como Marcelo Bretas, na 7.ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, e Wallisney de Souza Oliveira, da 10.ª Vara Federal de Brasília. Em Curitiba, a juíza Carolina Lebbos, da 12.ª Vara Federal, não julga processos da Lava Jato, mas é responsável pelos assuntos referentes à execução da pena de Lula, e sua ação firme tem impedido que o ex-presidente faça de seu encarceramento um verdadeiro circo.
O complicador, aqui, é o fato de que o sucessor de Moro não é conhecido; a juíza substituta Gabriela Hardt assume os processos apenas até o fim do ano; para 2019, a vara terá um novo titular, mas o processo para a escolha ainda não foi aberto. Se Sergio Moro, Marcelo Bretas, Wallisney Souza, Gabriela Hardt e Carolina Lebbos forem a regra, e não a exceção, teremos razões para ficar tranquilos. E o próprio Moro explicou, em entrevista coletiva, que, ao receber o convite de Bolsonaro, o juiz também ponderou o futuro da operação que comandou por quase cinco anos e concluiu que ela estaria em boas mãos – do contrário, não teria aceito ir para a Esplanada dos Ministérios.
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Mas, qualquer que seja o juiz que passará a julgar os processos da Lava Jato, ele terá de trabalhar com os elementos que lhe forem entregues pelos investigadores. E a força-tarefa composta por Ministério Público Federal, Polícia Federal e Receita Federal permanece – com Moro no governo, existe, inclusive, a possibilidade de que ela receba reforço financeiro. Se os investigadores continuarem a realizar um trabalho diligente, buscando e coletando provas que corroborem as informações dos delatores, apenas um juiz agindo deliberadamente de má fé poderia ignorar a realidade. Daí a importância de um trabalho investigativo de qualidade por parte da força-tarefa.
Os grandes desafios à Lava Jato permanecem em Brasília. As investigações e julgamentos dos políticos que ainda detêm prerrogativa de foro continuam em marcha lenta, em parte pelas inúmeras exigências adicionais provocadas pelo foro privilegiado e que atrasam o trabalho da Procuradoria-Geral da República, em parte pela sobrecarga de trabalho no Supremo. Além disso, o Congresso pode colaborar com o trabalho da Lava Jato ou dificultá-lo. A atual legislatura tem optado pelo segundo caminho, como quando desfigurou as Dez Medidas Contra a Corrupção ou quando quis aprovar uma lei de abuso de autoridade que, em vez de coibir o que deveria ser coibido, quase instalou um “direito à vingança” de réus contra seus acusadores e julgadores. Com a posse de novos deputados e senadores, bem como a saída de figuras nefastas da política nacional, esse quadro pode mudar.
Na mesma ocasião em que mostramos a inconsistência das acusações vitimistas, também explicamos como Moro poderá dar valiosa contribuição no combate à corrupção a partir de seu novo posto. Se, além disso, o país continuar a ter juízes íntegros à frente da Lava Jato, procuradores e policiais competentes e congressistas dispostos a rever velhas práticas, o brasileiro poderá ficar tranquilo. Mas apenas os acontecimentos futuros poderão dar essa certeza ao país.
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