Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Editorial 1

A legitimidade da Lei da Anistia

O Supremo Tribunal Federal (STF) deve voltar a discutir uma questão polêmica, reaberta por membros do Ministério Público Federal: os promotores entendem que os agentes públicos que cometeram crimes de sequestro durante a ditadura militar, e cujas vítimas ainda se encontram desaparecidas, não devem ser beneficiados pela Lei da Anistia, de 1979. Foi com base nessa premissa, por exemplo, que o MPF tentou enquadrar o coronel da reserva do Exército Sebastião Curió Rodrigues de Moura – o major Curió –, acusado pelo desaparecimento de cinco militantes capturados durante a guerrilha do Araguaia, nos anos 70.

A denúncia contra Curió não prosperou na primeira instância. O juiz de Marabá (Pará) negou a petição do MPF com dois argumentos: o primeiro de que os crimes já estariam prescritos; e o segundo, que se refere exatamente ao aspecto mais crucial da discussão, de que a Lei da Anistia foi "ampla, geral e irrestrita". Isso é, se os militantes políticos que cometeram crimes não seriam punidos, os agentes públicos que atuaram no seu combate também não mais responderiam criminalmente por seus atos.

Sob o ponto de vista estritamente jurídico, a questão levantada pelo Ministério Público Federal não deixa de ser controversa. Como destacou a própria Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ao propor ação no STF, no ano passado, defendendo a tese de que os desaparecimentos, por se tratar de crimes continuados, são imprescritíveis e, portanto, não seriam abrangidos pela Lei da Anistia. O STF, porém, já se pronunciou: em novembro último, por 7 votos a 2, a Corte rejeitou a tese sob o fundamento de que "a anistia, por se tratar de pacto bilateral objetivando a reconciliação nacional, considerando o contexto histórico em que foi concedida, teve caráter amplo, geral e irrestrito".

Vê-se com clareza que o STF levou em consideração o princípio segundo o qual acordos têm força de lei e devem ser respeitados. A Lei da Anistia nasceu sob o contexto histórico de 1979, quando, após mais de duas décadas de vigência do regime militar, o país procurava restaurar a paz e a plenitude democrática. Os entes mais representativos da vida nacional à época, que lutavam contra a ditadura – dentre as quais a própria OAB, ao lado da Igreja, do Congresso e de tantas outras instituições –, firmaram o pacto que deu o caráter "amplo, geral e irrestrito" ao instrumento político que se transformou em seguida na Lei da Anistia.

Logo, em nada contribui o revisionismo dos que, após mais de 30 anos, pretendem agora entender como parcial o que foi legitimamente pactuado como geral e diminuir o amplo e irrestrito espaço sobre o qual se construiu, sem mais derramamento de sangue, a grande nação democrática que hoje vivemos.

Nesse sentido, é mais do que apropriado que nos lembremos que a legitimidade e a plena aceitação da Anistia, construída nos moldes em que foi acordada em 1979, é que permitiram ao país eleger democraticamente três presidentes da República que, cada um a seu modo, lutaram contra a ditadura. Revisar e dar outra interpretação à Lei da Anistia é desconhecer a história, ignorar o sucesso da obra de reconstrução institucional que ela propiciou e reviver sentimentos de vingança recíproca que em nada contribuirão para a grandeza e a paz da nação que queremos.

Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.