O acordo de delação premiada que os executivos do grupo J&F, entre eles os donos da JBS, Joesley e Wesley Batista, conseguiram negociar com o Ministério Público Federal (MPF) é o mais “vantajoso” já realizado. Joesley Batista arrancou um perdão judicial e pagará multa de cerca de R$ 250 milhões. Para comparação, Marcelo Odebrecht, ex-presidente da empreiteira, deve ficar quase dez anos entre o regime fechado e a liberdade controlada por uma tornozeleira eletrônica. A multa da Odebrecht ficou em R$ 500 milhões. O MPF justifica que as discrepantes diferenças foram necessárias para se chegar a um resultado também diferenciado, com grandes ganhos para as investigações.
O procurador geral da República, Rodrigo Janot, precisou vir a público explicar os motivos para um acordo que, em um primeiro momento, poderia parecer ultrajante aos olhos da opinião pública. “Embora os benefícios possam agora parecer excessivos, a alternativa teria sido muito mais lesiva aos interesses do país, pois jamais saberíamos dos crimes que continuariam a prejudicar os honrados cidadãos brasileiros”, escreveu em artigo publicado no portal UOL. Importante lembrar: desta delação quase dois mil políticos foram envolvidos em um esquema de propinas que estava acontecendo durante o curso da Operação Lava Jato. Não apenas isso: a JBS ofereceu milhares de documentos e ajudou a construir provas, como as gravações contra o presidente da República, Michel Temer. Segundo Janot, não havia outra alternativa para se chegar a estes resultados a não ser conceder imunidade penal aos delatores.
Após a divulgação dos detalhes da delação da JBS, ficou a pergunta: um acordo com o MPF, classificado por críticos como uma delação “ultrapremiada”, deveria ou poderia ser anulado?
Na quinta-feira (29), o Supremo Tribunal Federal enfrentou precisamente essa questão, a partir do caso JBS. Oito ministros da corte votaram a favor de que não se pode mudar as regras de uma delação a não ser que fique comprovado que o colaborador tenha cometido algum tipo de ilegalidade ou que não tenha cumprido o que foi acordado. Votaram contra este entendimento apenas os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio. Ou seja, ainda que um acordo seja considerado demasiadamente vantajoso para um delator, o que foi combinado deve ser mantido. No caso do JBS, portanto, nem se chegou a examinar se houve ou não excesso. A questão passou a ser irrelevante diante do princípio estabelecido.
Em nossa avaliação, o STF não poderia decidir de forma diferente – com uma ressalva que se fará adiante. A decisão da corte reforça a competência e a legitimidade do representante público designado para realizar as negociações. E essa é a única orientação que respeita os melhores princípios jurídicos e do Estado de Direito. Quem negocia com o agente público – no caso um integrante do MPF – e se compromete a entregar informações e provas (que não entregaria de outra maneira) o faz na expectativa criada pela lei de que o agente tem jurisdição, legitimidade e competência para fazer o balanço que a negociação requer para o fechamento do acordo. Parece óbvio que a palavra do agente, salvo evidente má-fé, vincula o Estado (e, portanto, a sociedade).
Qualquer outra solução seria absurda e retiraria toda seriedade ao instituto da delação premiada
Mas o que fazer se o acordo for desproporcional, abusivo, concedendo excessivas prerrogativas aos delatores? A decisão do STF nada diz a respeito. Aqui está a nosso ver sua deficiência. E a solução, parece-nos, passa por estabelecer qual a sanção a que o agente que abusou de suas prerrogativas estaria sujeito: advertência, multa, eventual proibição de participar de novas negociações. Em uma analogia, se o funcionário de uma empresa privada faz um péssimo acordo com um fornecedor, a empresa na qual ele trabalha deve honrar o compromisso. Depois, ela pode tomar a atitude que achar melhor, como dar uma advertência ou até demitir o funcionário, mas sem poder descumprir o compromisso surgido por mãos de quem tinha poder para fechá-lo em seu nome. Voltando à delação, essa é única maneira de respeitar a efetividade e autoridade dos atos e agentes púbicos, sem descuidar do respeito à proporcionalidade que a ideia de negociação traz embutida na delação premiada.
A decisão da corte, embora possa e necessite ser complementada, devolveu ao instituto da delação premiada o seu sentido e a sua relevância. Tornou mais fortes e previsíveis as suas regras, garantindo ao país um instrumento importantíssimo para desvendar o submundo da corrupção que tomou de assalto políticos, partidos, estatais e empresas.
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