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Editorial

A liberdade de imprensa, bloqueada com o X

Alexandre de Moraes, ministro do STF que bloqueou o X no último dia 30 de agosto. (Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil)

“Se o X for banido no Brasil, os jornalistas brasileiros poderão relatar ao público o que grandes figuras públicas e líderes mundiais dizem no X? De acordo com a nova lei que Moraes inventou hoje, a única maneira de eles verem isso – com VPNs – agora é um crime no Brasil”, questionou o jornalista Glenn Greenwald nas poucas horas de liberdade decorridas entre a emissão da ordem de Alexandre de Moraes bloqueando o X e o início de sua execução pelos provedores de internet. A pergunta continua pertinente, decorrida uma semana desde a suspensão, e mostra como a liberdade de imprensa naufragou ao lado das liberdades de expressão e econômica, no surto autocrático do ministro do STF.

Desde que as mídias sociais se popularizaram, o Twitter se tornou a escolha de praticamente todos os líderes políticos, agências governamentais e personalidades de qualquer área para manifestar opiniões e fazer anúncios relevantes. Certas características da rede facilitam o maior alcance do que é dito: ela não exige reciprocidade entre “amigos” ou “seguidores” para que as publicações sejam lidas (a não ser quando o próprio usuário decide configurar a conta para que apenas os seguidores possam lê-lo) e, até 2023, nem sequer era preciso ter conta no site para ler o que era publicado ali. Não poucos líderes passaram a dar mais atenção a suas contas na mídia social que aos canais oficiais de divulgação de notícias. Natural, portanto, que o jornalismo passasse a frequentar o Twitter/X com assiduidade para descobrir o que pessoas importantes andavam fazendo e pensando.

Impedida de saber o que líderes e personalidades publicam no X, a imprensa tem o seu direito de informar seriamente comprometido, e os leitores têm seu direito à informação quase anulado

Foi no Twitter, por exemplo, que surgiram as primeiras informações sobre a operação norte-americana que terminou na morte do chefão terrorista Osama bin Laden, no Paquistão, em 2011. Poucos meses antes disso, havia começado a chamada “Primavera Árabe”, um movimento popular basicamente movido a mídias sociais, especialmente o Twitter – imagine o leitor como a cobertura desses acontecimentos teria sido muito mais difícil sem o acesso dos jornalistas a essas plataformas. Mais recentemente, é no X que a oposição democrática venezuelana, liderada por María Corina Machado, tem se manifestado para chamar a atenção mundial contra a ditadura de Nicolás Maduro e denunciar a repressão do regime bolivariano.

Pois tudo isso, agora – das notícias sobre a resistência venezuelana aos comentários sobre a eleição de novembro nos Estados Unidos –, está bloqueado a qualquer jornalista brasileiro que esteja em território nacional e não queira correr o risco de uma multa, por mais que o rastreamento de Moraes e seus sequazes tenha enormes dificuldades de descobrir o uso de VPNs se a ferramenta for usada apenas para ler, e não para publicar no X. O trabalho da imprensa, portanto, fica seriamente prejudicado. Pode-se alegar que grandes jornais têm profissionais no exterior, que têm acesso ao X e podem seguir relatando o que líderes e personalidades publicam. No entanto, esse é um privilégio de apenas alguns poucos grandes veículos de comunicação, enquanto milhares de empresas menores Brasil afora são prejudicadas por não terem tal possibilidade; e, mesmo para os grandes veículos, há prejuízo quando um correspondente estrangeiro deixa de fazer seu trabalho habitual para se tornar um “leitor legalizado” do X para abastecer toda uma redação no Brasil.

Em qualquer dos casos, portanto, a imprensa tem o seu direito de informar seriamente comprometido, e os leitores têm seu direito à informação quase anulado. Isso é tão evidente que chega a ser assustador ver grupos como a ONG Repórteres Sem Fronteiras defendendo a decisão de Moraes (ainda que a manifestação tenha sido mais relacionada ao bloqueio da rede que à proibição do uso de VPNs), e é com tristeza que vemos boa parte das entidades da comunicação no Brasil permanecendo em silêncio, sem se manifestar a respeito nem do bloqueio do X de forma geral, nem sobre o obstáculo ao trabalho dos profissionais.

Até o momento, apenas a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) acionou o STF para derrubar a multa pelo uso de VPNs para acessar o X, finalmente usando um linguajar bem mais duro que o da nota de 30 de agosto. Para a OAB, Moraes “criou efetivamente um ilícito penal e cível não previsto pelo ordenamento jurídico brasileiro”; a multa é “desarrazoada e desproporcional”, “viola direta e frontalmente” a separação dos poderes, “relativizando de forma inaceitável o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa”. Palavras extremamente precisas e necessárias diante do tamanho do arbítrio instalado no Brasil atual – com o apoio, é preciso lembrar e lamentar, de muitos jornalistas e formadores de opinião que, mesmo sendo agora vítimas dos desmandos supremos, parecem incapazes de tirar os antolhos ideológicos e perceber o rumo que o Brasil está tomando.

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