Muito já foi dito que uma nova Previdência sustentada pelo regime de capitalização e o avanço das privatizações não vão garantir, por si só, um Brasil mais liberal. Há toda uma agenda de desburocratização, de reformas microeconômica e tributária e de mudança de mentalidade necessária para destravar o potencial do país. Felizmente, tanto o governo quanto o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já sinalizaram que pretendem investir na reforma tributária após a Previdência. Da mesma maneira, há espaço no Congresso para mudanças microeconômicas, como demonstra a recente aprovação do cadastro positivo. E, na última terça-feira (30), o presidente Jair Bolsonaro (PSL) deu mais um passo nesse sentido ao assinar a Medida Provisória (MP) da Liberdade Econômica, um bálsamo para um país engessado pelo intervencionismo estatal desmedido.
Alguns dispositivos da MP já vão operar na desburocratização, principalmente para pequenas empresas e startups, liberando o potencial criativo dos empreendedores brasileiros. A principal medida nesse sentido é garantir o funcionamento de atividades “sem a necessidade de atos públicos de liberação da atividade econômica”, no caso de atividades de baixo risco – hipóteses que ainda precisam de regulamentação. O texto também prevê, como regra geral, que um prazo máximo será estabelecido para que o poder público analise um pedido de abertura de empresa e, em caso de não manifestação, essa autorização estará assegurada tacitamente. No campo da redução de custos, é também positiva a previsão de digitalização de documentos para arquivamento, podendo os originais físicos ser destruídos.
É inegável e positivo o avanço liberal que o governo pretende imprimir ao país com a MP da Liberdade Econômica
Mas talvez o legado mais positivo da MP seja determinar, de uma vez por todas, que a regra geral da atividade econômica, conforme prevê a Constituição Federal, é a liberdade dos agentes privados – enquanto a atuação do Estado é apenas subsidiária, devendo ser respeitada, como regra geral, a liberdade contratual dos indivíduos e empresas e a formação livre dos preços na economia. Toda mudança de impacto na economia deverá ser prececida de análise de impacto regulatório orientada por esse norte. Da mesma forma, a MP, por meio de uma série de previsões que valem para vários ramos do direito, passará a orientar a atuação do Poder Judiciário, cujos quadros, no Brasil, às vezes são fonte de insegurança jurídica e intervenções injustas que distorcem a economia. Um exemplo desse estado de coisas, e vindo do Supremo Tribunal Federal (STF), é a liminar do ministro Ricardo Lewandowski que inventou a regra de que a privatização de empresas públicas precisa de autorização do Congresso. O raciocínio do ministro é que é preciso assegurar a “simetria” das situações, já que a Constituição prevê a necessidade de autorização do Legislativo para criação de estatais – o que ele ignora, porém, é que essa previsão faz todo sentido, já que a regra geral é a da produção de riquezas pelo agente privado, e não pelo Estado.
O atual cenário no Brasil não é bom em qualquer das métricas sérias sobre assunto. O último ranking de liberdade econômica da Heritage Foundation dá nota 51.9 ao país, em uma escala de 0 a 100, o que faz do Brasil uma economia “majoritariamente não livre” e nos coloca na 150ª posição entre 186 países. Já a edição de 2019 do “Doing Business”, do Banco Mundial, que mede a facilidade de fazer negócios em 190 países, coloca o Brasil na 109ª posição. Nossas piores notas são justamente as relativas à facilidade de abrir novos negócios – um ponto atacado diretamente pela MP – e ao sistema tributário, o que sinaliza nosso próximo grande desafio enquanto nação.
Fruto de esforço de uma equipe coordenada pelo secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, Paulo Uebel, do Ministério da Economia, a MP da Liberdade Econômica pode ser um passo para reverter esse quadro. A medida ainda precisa de regulamentação de vários dispositivos pelo próprio governo federal e pelos governos estaduais e municipais. Também há muitos temas técnicos no texto que precisam de avaliação mais segura e, de qualquer modo, a medida só terá efeitos duradouros se for aprovada pelo Congresso Nacional, já que a só terá eficácia garantida até 120 dias depois de sua edição. Mas, diante do teor geral da norma, é inegável e positivo o avanço liberal que o governo pretende imprimir ao país. Que o Congresso Nacional saiba reconhecer isso ao votar o texto quando chegar a hora.