Como demonstração de que está começando uma fase de maior entendimento entre Executivo e Legislativo, o presidente Jair Bolsonaro se reuniu com os recém-eleitos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), nesta quarta-feira. Após o encontro, os dois parlamentares receberam uma lista elaborada pela Secretaria de Governo com 35 prioridades que vão desde urgências bastante óbvias, como as reformas econômicas, até pautas que fazem parte das plataformas políticas de Bolsonaro, como projetos ligados à posse, porte ou uso de armamentos. Todos os itens da lista são projetos de lei ou propostas de emenda à Constituição que já estão no Congresso. A Secretaria de Governo dividiu a lista em quatro partes: os projetos que começam a tramitação na Câmara, os que iniciaram a análise pelo Senado, os que já foram aprovados na Câmara e estão no Senado, e os que já passaram pelos senadores e aguardam análise dos deputados.
A variedade de temas na lista tem um mérito: ela contradiz um discurso que ficou cada vez mais comum no passado recente, segundo o qual não havia como tratar de mais de um “grande tema” por vez. Foi o argumento usado por Rodrigo Maia, quando era presidente da Câmara, para engavetar a pauta de costumes, alegando que era preciso primeiro aprovar as reformas econômicas. A própria prática do Congresso, mesmo durante a pandemia, mostrou que é possível, sim, fazer tramitar projetos importantes sobre temas diversos de forma simultânea.
Indicar quais temas teriam precedência na opinião do Poder Executivo teria sido uma sinalização muito bem-vinda da parte do Planalto
O governo, no entanto, não informou a Lira e a Pacheco quais seriam as “prioridades dentro das prioridades”, dando a todos os 35 itens o mesmo peso e deixando que os congressistas resolvam o que fazer com eles. Ora, como lembrou o colunista Fernando Schüler nesta quinta-feira, “quem tem 35 prioridades não tem, no fundo, prioridade nenhuma”. Indicar quais temas teriam precedência na opinião do Poder Executivo teria sido uma sinalização muito bem-vinda da parte do Planalto, e nem de longe isso poderia ser encarado como ingerência nas atividades de outro poder, já que deputados e senadores podem muito bem ter uma visão diversa.
E é inegável que há alguns projetos que precisam ser aprovados o quanto antes e outros que podem esperar alguns meses. Sem essa indicação do que é mais importante, corre-se o risco de deixar tramitar apenas aqueles temas mais consensuais, deixando de lado o que tem maior potencial de encontrar obstáculos – embora muitas vezes os projetos mais controversos ou impopulares sejam os mais necessários, como se viu com a reforma da Previdência. O governo a tratou como prioridade máxima em 2019, deixou isso claro muitas vezes (apesar das idas e vindas quanto ao conteúdo da proposta), e conseguiu sua aprovação.
- A pauta moral bloqueada no Congresso (editorial de 16 de fevereiro de 2020)
- A mudança na Eletrobrás e a lentidão das privatizações (editorial de 28 de janeiro de 2021)
- O futuro do auxílio emergencial (editorial de 26 de janeiro de 2021)
- A importância dos novos marcos regulatórios (editorial de 6 de outubro de 2020)
Alguns temas, no entanto, se impõem e deveriam ser assumidos como prioridade máxima pelo Congresso ainda que o Executivo não tenha deixado isso claro. É o caso do combate à pandemia e daquilo que for necessário para a recuperação econômica do país. Que projetos ajudarão a destravar e atrair investimentos, locais e estrangeiros, permitindo uma retomada mais sólida com geração de emprego e renda? Que projetos tornarão mais simples a vida do empreendedor? Aqui já percebemos a urgência da reforma tributária, de marcos regulatórios como os do gás natural ou da cabotagem, e das privatizações. Que projetos ajudarão a reverter a preocupante escalada da dívida pública, que estourou durante a pandemia, e permitirão que os governos tenham mais ferramentas de ajuste fiscal à disposição? Reforma administrativa e as PECs Emergencial (embora não na versão muito aguada do seu mais recente parecer), dos Fundos e do Pacto Federativo vêm à mente. Ainda que não estejam explícitas na lista, providências legais para acelerar o processo de vacinação contra a Covid-19 e para garantir uma extensão do auxílio emergencial dentro do teto de gastos foram mencionadas no encontro entre Bolsonaro, Lira e Pacheco.
Se em 2021 Planalto e Congresso conseguirem trabalhar juntos para aprovar esse pacote essencial de reformas econômicas, medidas contra a pandemia e aperfeiçoamento da rede de proteção social da população, já terão prestado um grande serviço ao país mesmo que uma boa parte da lista de Bolsonaro acabe ficando para o ano que vem. Que Pacheco e Lira, agora responsáveis pelas pautas de Senado e Câmara, tomem para si, então, o trabalho de fazer andar aquilo de que o Brasil mais necessita e consigam mobilizar os demais deputados e senadores em torno dos temas mais relevantes.