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Editorial

A manobra de Flávio Bolsonaro

 | Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
(Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

O deputado estadual em fim de mandato e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, continua causando um desgaste totalmente desnecessário ao governo no episódio das movimentações financeiras bastante atípicas de um ex-assessor, Fabrício Queiroz. A dupla vinha fugindo dos depoimentos ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro – Queiroz passou mais de uma semana internado em São Paulo, o que não o impediu de dar entrevistas e gravar vídeos descontraídos –, até que o procurador-geral de Justiça fluminense, Eduardo Gussem, insinuou que poderia oferecer denúncia mesmo sem os depoimentos. Foi quando Flávio buscou o Supremo Tribunal Federal, conseguindo do ministro Luiz Fux, que está de plantão durante o recesso da corte, a suspensão das investigações.

O senador eleito argumentou que, ainda que a investigação esteja centrada nas movimentações de Queiroz, o MP fluminense teria solicitado ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) os dados bancários do próprio Flávio Bolsonaro. Como isso teria sido feito após sua diplomação como senador, esse tipo de autorização estaria, agora, a cargo do STF, e não mais do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ). Além de acolher essa argumentação em sua liminar, Fux ainda determinou que o caso ficasse em segredo de Justiça, mas a decisão chegou à imprensa, e parte dela foi publicada.

O fogo amigo do próprio filho é a última coisa de que Jair Bolsonaro precisa

A decisão de Fux tem uma circunstância inusitada, pois Flávio Bolsonaro já foi diplomado senador, mas ainda não tomou posse. Ainda que o início do mandato só ocorra, efetivamente, em 1.º de fevereiro, no caso dos parlamentares, o artigo 53, parágrafo 1.º, da Constituição Federal afirma que “os deputados e senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal”. Por esse raciocínio, Flávio Bolsonaro teria razão em argumentar que o Coaf não poderia ter solicitado seus dados bancários, após a diplomação, sem o aval do Supremo.

Teria – se as investigações tivessem ocorrido antes de maio de 2018, e aqui está o grande problema com a decisão de Fux. Naquele mês, o plenário do STF decidiu que só cabem ao Supremo os processos de deputados federais e senadores relativos a crimes cometidos no exercício do respectivo mandato, e ligados ao exercício da função, o que evidentemente não é o caso de Flávio Bolsonaro, pois as movimentações financeiras de Queiroz que poderiam respingar no senador eleito ocorreram em 2016 e 2017. O próprio Fux foi um dos sete ministros que tiveram exatamente este entendimento, que partiu do relator do caso, Luís Roberto Barroso.

Fux até chegou a admitir, no texto da liminar, a possibilidade de que o Supremo efetivamente não seja o foro competente para cuidar do caso Queiroz-Flávio Bolsonaro, mas acrescenta que esta é uma decisão que precisaria ser tomada “caso a caso”. No entanto, a análise caso a caso que o STF havia definido em maio do ano passado era a dos processos que já estavam no Supremo. Na situação em tela, o não cumprimento dos critérios era suficientemente evidente para que Fux negasse o pedido de Flávio Bolsonaro, respaldado pela decisão que ele mesmo ajudou a tomar. Em vez disso, o ministro resolveu ignorar a jurisprudência e livrar temporariamente o senador eleito até que o relator sorteado para o caso, Marco Aurélio Mello, volte ao trabalho.

Marco Aurélio já sugeriu que revogará a decisão de Fux e enviará o caso de volta ao TJ-RJ – se deveria estar falando sobre isso, ainda que em termos genéricos, afirmando apenas que “tenho negado seguimento a reclamações assim, remetendo ao lixo”, é um outro assunto que merecerá consideração futura. Mas, se realmente fizer o prometido, terá acertado. Enquanto isso, Flávio Bolsonaro continua a ser um constrangimento para o governo de seu pai: distancia-se de Queiroz, não explica nada, e manobra para escapar de eventuais consequências de uma suposta participação sua em um esquema clássico em que assessores “pagam” por seu emprego comissionado devolvendo parte do salário.

No momento em que Jair Bolsonaro está prestes a se apresentar ao mundo no Fórum Econômico Mundial, na Suíça, e finaliza projetos importantes para enviar ao Congresso assim que a próxima legislatura começar, o fogo amigo do próprio filho é a última coisa de que ele precisa. Nunca é fácil repudiar ações e manobras de familiares tão próximos, mas Bolsonaro demonstrará grandeza se aproveitar esta oportunidade para deixar claro que, em seu governo, as práticas da “velha política” não têm mais lugar, além de promover um saudável distanciamento em relação ao filho, independentemente de sua participação ou não nos atos de Queiroz. Afinal, Flávio será um senador da República, com importante papel a desempenhar. Se a relação entre ele e Bolsonaro for mais institucional que familiar, ambos terão a ganhar.

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