No mesmo dia em que o IBGE divulgou o dado final da inflação oficial de 2021, que ficou em 10,06%, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, cumpriu uma exigência legal e enviou uma carta ao ministro da Economia, Paulo Guedes, explicando por que o IPCA havia estourado o limite máximo de tolerância da meta de inflação estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional – a meta era de 3,75%, com tolerância de 1,5 ponto porcentual para cima ou para baixo. Da última vez que isso ocorrera, o antecessor de Campos Neto, Ilan Goldfajn, escreveu sua carta ao antecessor de Guedes, Henrique Meirelles, em condições muito diferentes: sua missão era explicar por que o IPCA de 2017 tinha sido mais baixo que o limite mínimo de tolerância – que era de 3%, para uma meta de 4,5%.
Na carta datada de 11 de janeiro, Campos Neto ofereceu as justificativas que já eram esperadas por todos os que acompanham o noticiário econômico. A recuperação da economia mundial, explicou o presidente do BC, aumentou a demanda internacional por commodities, encarecendo tanto os produtos do agronegócio (reduzindo a oferta interna) quanto o petróleo (encarecendo os combustíveis) – a elevação dos preços em dólares foi potencializada, no Brasil, pela depreciação do real, que tornou ainda mais atrativa a exportação de commodities agropecuárias e deixou ainda mais caro o petróleo importado. Além disso, a crise hídrica forçou o acionamento das usinas termelétricas, deixando a energia elétrica mais cara, e a retomada do setor de serviços normalizou preços que haviam caído muito em 2020, no auge da interrupção de negócios decretada por governadores e prefeitos. Campos Neto lembrou, ainda, fatores como os problemas globais de abastecimento de insumos para vários setores da indústria, e que estão entre as causas do fenômeno generalizado de inflação verificado também em economias desenvolvidas – os Estados Unidos fecharam 2021 com a maior inflação em quase 40 anos, embora inferior à brasileira.
A escalada inflacionária, ainda que inevitável, poderia ter sido amenizada se as ações do campo político tivessem pendido para o lado do ajuste fiscal, fortalecendo a moeda brasileira
No entanto, Campos Neto ressaltou um aspecto importante no caso do câmbio. Havia, segundo o presidente do BC, um “padrão histórico de apreciação da moeda nacional durante ciclos de elevação nos preços das commodities”, ou seja, momentos de commodities em alta costumavam representar entrada forte de dólares no Brasil, reduzindo a cotação do dólar. E, de fato, houve uma “tendência de apreciação no segundo trimestre do ano [de 2021]”, mas que foi “revertida ao longo do segundo semestre, atingindo em dezembro de 2021 uma média 9,83% superior ao do mesmo mês do ano anterior”. Por que isso ocorreu?
Campos Neto responde no mesmo parágrafo: “A tendência de depreciação na segunda metade de 2021 refletiu principalmente questionamentos em relação ao futuro do arcabouço fiscal vigente e o aumento dos prêmios de risco associados aos ativos brasileiros, diante da maior incerteza em torno da trajetória futura do endividamento soberano”. Os questionamentos a que o presidente do BC se refere foram intensificados à medida que as discussões sobre o Orçamento da União de 2022 deixavam cada vez mais claro que governo e Congresso estavam dispostos a adotar alguma forma de truque orçamentário para acomodar gastos crescentes, que iam do reforçado Auxílio Brasil às emendas de relator, a nova face do balcão de negócios entre Executivo e Legislativo. Como resultado, 2021 terminou sem reforma tributária e sem reforma administrativa, mas com a PEC dos Precatórios.
O diagnóstico dos questionamentos passados se repete mais adiante na carta, desta vez como previsão para o futuro: “questionamentos em relação ao futuro do arcabouço fiscal resultam em aumento dos prêmios de risco e elevam o risco de desancoragem das expectativas de inflação. Isso implica atribuir maior probabilidade para cenários alternativos que considerem taxas neutras de juros mais elevadas. O Copom reitera que o processo de reformas e ajustes necessários na economia brasileira segue sendo essencial para o crescimento sustentável da economia. Eventual esmorecimento no esforço de reformas estruturais e alterações de caráter permanente no processo de ajuste das contas públicas podem elevar a taxa de juros estrutural da economia”, diz o texto, repetindo em parte o palavreado constante nos comunicados divulgados após cada reunião do Copom. A mensagem é clara: muito gasto público e pouca reforma ou ajuste levarão a mais inflação e mais juros no curto prazo, pois haverá uma desconfiança geral em relação à saúde fiscal do país.
Em muitos aspectos, quando se analisa várias das causas da disparada da inflação em 2021, o Brasil foi mais passageiro que motorista, sofrendo as consequências dos ânimos do mercado internacional e de questões climáticas. Mas a carta de Campos Neto mostra que a escalada inflacionária, ainda que inevitável, poderia ter sido amenizada se as ações do campo político tivessem pendido para o lado do ajuste fiscal, fortalecendo a moeda brasileira. Esta é a grande mensagem do texto divulgado pelo presidente do BC; resta saber se ela será ouvida e assimilada por quem tem a responsabilidade de propor, votar e implementar os projetos que definirão o futuro fiscal do Brasil.